sexta-feira, 5 de maio de 2017

Lições do Limbo (Pe. John Breck)

A Igreja Católica Romana anunciou recentemente que está fechando as portas para o "limbo". Por razões teológicas importantes, isso é uma coisa boa. Contudo, isso nos leva a refletir um pouco sobre nossa própria compreensão do estado de existência após a morte e sobre o desenvolvimento da teologia na Igreja.

Desenvolvido por teólogos latinos medievais, o limbo foi concebido, por um lado, como a morada das almas piedosas falecidas da Antiga Aliança, que aguardavam a vinda do Messias. Este é o limbus patrum, não muito diferente do "sheol" na tradição iconográfica bíblica e ortodoxa. (Nosso ícone pascal, muitas vezes referido como "a descida de Cristo no Inferno", é na verdade uma descida no hades ou sheol.) Mais significativo, e muito mais problemático, foi a hipótese, apresentada pelos Doutores latinos medievais, de que existe também um limbo infantium, um lugar onde os bebês não batizados passam a eternidade. De acordo com Tomás de Aquino, essas crianças - vítimas de aborto, perda ou mortalidade infantil - permanecem para sempre neste domínio da "felicidade natural", mas são privadas da plenitude do céu e, consequentemente, da esperança de que habitarão em comunhão com outros membros da família redimidos. Essas versões do limbo, por sinal, eram bastante distintas do ensino sobre o purgatório, que é concebido como um lugar de punição purificadora para os pecados "veniais" (em oposição aos "mortais"), pelos os quais o perdão é necessário para que pessoa falecida possa atingir a "visão beatifica" ou salvação. Nem o purgatório nem o limbo encontraram lugar no ensino tradicional ortodoxo.

Antes de assumir o Papado, o Papa Bento XVI já havia manifestado dúvidas sobre a utilidade (ou exatidão) do limbo, chamando-o de "hipótese teológica". Desde o Vaticano II, os teólogos e clérigos católicos tenderam a ignorar este teologoumenon, mas o dogma por trás dele nunca foi formalmente reavaliado. Com origem em Agostinho, esse dogma reflete uma (má)compreensão latina dos efeitos do "pecado original". Passagens como Romanos 5:12 foram interpretadas de modo a sugerir que o "pecado original" de Adão é transmitido, como um gene defeituoso, a todas as gerações futuras. Portanto, qualquer criança concebida carrega "o pecado de Adão" e conseqüentemente carrega a culpa de Adão. Essa culpa, e suas consequências mortais, são removidas somente pelo batismo. Se uma criança morre antes de ser batizada, de acordo com este ponto de vista, ela ainda está manchada com o pecado original e não pode desfrutar da visão beatifica. No entanto, também foi reconhecido que tais crianças são inocentes de qualquer pecado pessoal. Assim, tornou-se necessário conceber um domínio, reino ou estado no qual tais crianças passariam a eternidade, um domínio que é distinto das punições do inferno, mas igualmente desprovido de bem-aventurança eterna. Este dilema, baseado numa lógica teológica nobre, mas defeituosa, levou à noção de limbo. 

O inferno segundo Dante

Se a lógica é defeituosa, é porque o pressuposto subjacente é falso. O consenso da tradição patrística oriental e dos teólogos ortodoxos atuais é que o "pecado original" de Adão não é transmitido (sexualmente ou por qualquer outro meio) de geração em geração como uma doença hereditária. Pelo contrário, o que herdamos ou recebemos da criação do "primeiro homem Adão" (que representa toda a humanidade) é a conseqüência do pecado, a saber, a mortalidade, a morte. "Como o pecado veio ao mundo através de um homem [Adão] e a morte pelo pecado, assim a morte se espalhou para todos os homens porque todos pecaram..." (Romanos 5:12).

A primeira lição do limbo, então, é que geralmente não é suficiente acabar com hipóteses teológicas infelizes (isto é, inúteis, enganosas ou simplesmente incorretas). É igualmente necessário examinar o raciocínio teológico subjacente por trás dessas hipóteses, e corrigir isso também. Muitos teólogos católicos romanos fizeram exatamente isso, e muitos têm modificado a visão latina tradicional da transmissão do pecado original. Mas muitos não fizeram isso, e a conseqüência é dupla. Por um lado, ainda se deve presumir que o ensino católico sustenta que os bebês são concebidos, portando a culpa de Adão; por outro lado, sem "limbo", as conseqüências desse estado de ser estão totalmente no ar: teoricamente não podem ser admitidos no céu, mas certamente não podem ser enviadas para o inferno eterno.

A verdadeira questão é muito mais ampla do que a questão do limbo. Trata-se nada menos do que a compreensão latina da redenção e o papel do batismo nesse processo. Ao eliminar o limbo, os teólogos católicos dizem também que, de fato, não há verdadeira "herança" ou transmissão do pecado original como tal, mas apenas de suas conseqüências mortais? Estão agora aceitando uma visão da redenção menos jurídica (uma remoção forense do pecado e da culpa) e mais existencial e eclesial (incorporando o crente à morte e ressurreição de Cristo)? E isso significa que eles agora afirmam que os bebês não batizados - e todas as crianças ainda não conscientes do pecado e capazes de se arrepender - são admitidos, após a morte, na plena glória do céu, por um Deus cuja misericórdia ultrapassa suas exigências de justiça? Se assim for, eles estão se alinhando mais com a posição ortodoxa do que com sua própria herança teológica. (Tal realinhamento está, de fato, em evidência desde o Concílio Vaticano II: veja especialmente o Catecismo da Igreja Católica, §1257-1284, sobre o sacramento do batismo. Esta elaboração muito bíblica não faz menção ao limbo, mas diz respeito às crianças que têm morreram sem o batismo: "a Igreja só pode confiá-los à misericórdia de Deus, como faz em seus ritos funerários para eles" [1261].)

O limbo foi concebido como uma resposta, equivocada como foi, a um problema teológico específico dentro do catolicismo romano. Esse problema dizia respeito ao próprio conceito de Deus que a Igreja Latina mantinha e ensinava. Nos períodos tardio e pós-medievais, os ortodoxos foram expostos a variados graus de influência latina, e essa influência tem continuado, especialmente nos Estados Unidos, com a conversão à ortodoxia de muitos antigos "Uniatas", cristãos orientais que estiveram em comunhão com Roma. Outras influências, desde o ascetismo monástico exagerado até as interpretações enganosas das Escrituras em nossas escolas da igreja, criaram na mente de muitos de nossos fiéis uma imagem de Deus mais julgador do que misericordioso: um Deus de Justiça, cuja principal preocupação é punir aqueles que não cumprem Seus mandamentos.

Como o limbo, esta concepção de Deus é popular. Certamente não reflete o ensino tradicional da Igreja Ortodoxa. No entanto, como o limbo entre muitos católicos, ele habita por trás de muitas mentes do povo ortodoxo, um bom número de pessoas que respondem, quer vivendo em pavor diante da ira divina ou fugindo da Igreja completamente.


Talvez a lição mais importante em tudo isso é que o Espírito Santo está nos chamando e nos direcionando constantemente para retornar ao Evangelho de Jesus Cristo. Teologoumena particular, opiniões teológicas, sempre precisam de reavaliação não apenas de seu conteúdo específico, mas para o impacto que possam ter sobre as vidas de nossos fiéis. (Um exemplo disso são as "casas de pedágio", esferas de purificação através das quais as pessoas falecidas passam em sua jornada rumo ao Céu. Há espaço, sem dúvida, para alguns desses ensinamentos dentro da Igreja - a purificação como um processo contínuo, por exemplo, desde que não se torne, como acontece com frequência, distorcida em uma imagem gnóstica de purificação através do que equivale a tortura, infligida por poderes mais demoníacos do que angélicos.)

A questão primária, deixada clara pela história do "limbo", é a seguinte: até que ponto algum ensinamento ou exposição da fé realmente reflete o testemunho da Sagrada Escritura e da Tradição autêntica da Igreja? Na medida em que o fizer, então ele deve ser mantido; onde não, então o ensinamento precisa ser reinterpretado para que se conforme fielmente à Verdade revelada.

Porque as tradições piedosas - mesmo as erradas - podem ter tal domínio sobre a mente popular, requer coragem, paciência e um grande discernimento de oração para fazer essa reavaliação contínua de nossas várias interpretações teológicas. No entanto, não devemos temer o processo. Devemos aceitá-lo como uma função da Tradição Viva da Igreja, dada e sustentada pelo Espírito da Verdade.


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