quinta-feira, 20 de julho de 2017

Por que a Ortodoxia é a verdadeira fé (A. I. Osipov)

Hoje em dia vivemos em tal situação que não mais é possível nos separar do mundo. Qual é a verdadeira fé? Vivemos no mundo do pluralismo religioso. Damos de cara com muitos missionários, cada qual oferece seus ideais, seus padrões de vida, suas opiniões religiosas de que a geração anterior ou minha geração não o invejaria por isso. Era mais fácil para nós. A escolha principal que encarávamos era a escolha entre religião e o ateísmo.

Atualmente sua escolha é mais ampla, mas muito mais difícil. Encontrar a resposta à pergunta - se Deus existe ou não - é apenas o primeiro passo. Se uma pessoa passa a acreditar que há Deus, o que acontece depois? Existem muitas crenças, mas deve-se converter para qual? Deve-se tornar-se cristão, ou por que não muçulmano ou budista ou krishnaita? Eu não vou citar todas elas. Hoje existem diversas religiões, você sabe disso melhor que eu. Por quê? Bem, tendo trilhado o caminho através dos bosques e matas desta árvore multi-religiosa tal pessoa tornou-se cristão. Ele entendeu que o cristianismo é a melhor religião, a religião correta.

Mas que tipo de cristianismo? Existem muitas faces. O que se deve ser? Um ortodoxo, um católico, um pentecostal, um luterano? Novamente, está além da conta. Esta é a situação que os jovens enfrentam hoje. Além disso, como regra, representantes de religiões novas e antigas, de denominações não-ortodoxas, ativamente elevam suas vozes e possuem melhores chances de declarar seus pontos de vista na mídia, diferente de nós, ortodoxos.

Assim, a primeira coisa que se enfrenta hoje é a grande variedade de crenças, religiões, opiniões. É por isso que gostaria de caminhar rapidamente por essas fileiras de opções que se abrem hoje diante das pessoas que procuram a verdade e as consideram brevemente - porém levando em consideração as características fundamentais - pois não se deve ser somente cristão, mas ortodoxo.

Deste modo, o primeiro problema é: religião ou ateísmo. Em diferentes conferências, mesmo em reuniões de alto nível, encontro pessoas bem-educadas, eruditas, não superficiais, que sempre me fazem as mesmas perguntas: Quem é Deus? Ele existe? E até mesmo: Por que eu precisaria dele? Ou, se Deus existe, por que Ele não faz um discurso em uma sessão da ONU e declara Sua existência? As pessoas realmente dizem essas coisas. O que devo responder?

Na minha opinião, podemos responder a esta questão usando a idéia central da filosofia moderna, que é melhor expressa no conceito de existencialidade. Qual é o objetivo da existência humana, qual é o sentido da vida humana? Certamente, em primeiro lugar, a vida em si mesma. O que mais pode ser? Que sentido eu ambiciono quando durmo? O sentido da vida só pode estar na compreensão, no "desfrutar" os frutos de sua vida e atividade. E ninguém jamais afirmou ou acreditou (ou fará no futuro), que o sentido último da vida pode ser a morte. É aqui que reside a divisão intransponível entre religião e ateísmo. O cristianismo afirma: para o homem esta vida terrena é apenas o começo, a pré-condição e os meios para se preparar para a eternidade: Prepare-se, a vida eterna está esperando por você. O cristianismo diz: para entrar nela você tem que fazer isso e ser assim. E qual é a idéia do ateísmo? Não há Deus, nem alma, nem eternidade; então acredite, humano, a morte eterna está esperando por você! Você não sente o terror, o pessimismo e desespero em tais palavras? Fazem o sangue gelar: homem, a morte eterna está esperando por você! Isso sem mencionar a argumentação estranha que fundamenta esta idéia. Só essas palavras já fazem tremer a alma humana. De jeito nenhum, eu não posso aceitar tal fé.

Se alguém perdeu seu caminho na floresta e está procurando o caminho para casa e ao encontrar alguém, pergunta: "Existe uma saída?" E o outro responde: "Não e não procure, se estabeleça por aqui como puder", alguém acreditaria nele? Eu duvido. Ele não procuraria mais? E ao encontrar outro homem, que diz: "Sim, há uma saída, eu vou te dizer os sinais e os passos de como você pode chegar em casa", - não acreditaria nele? O mesmo acontece quando se escolhe os seus pontos de vista entre religião e ateísmo. Enquanto ainda existir uma centelha de busca da verdade, pelo sentido da vida, não é possível aceitar a idéia que no fim, o homem, enquanto personalidade e, consequentemente, todas as outras pessoas encontrarão a morte eterna e, a caminho disso, devemos preparar um melhor meio econômico, social, político e cultural. E depois tudo será O.K. - amanhã você morrerá e nós o enterraremos no cemitério. Maravilhoso!

Eu mostrei para você apenas um lado, psicologicamente muito importante, o qual acredito que é suficiente para cada pessoa com alma ainda viva entenda que somente essa visão religiosa do mundo nos permite abordar o sentido da vida, quando aceitamos como nosso fundamento o Um, a quem chamamos Deus.

Então eu acredito em Deus. Vamos supor que passamos a primeira sala. E com fé em Deus entro na segunda ... Meu Deus, o que eu vejo e ouço aqui? Muitas pessoas, e cada uma grita: "Só eu tenho a verdade". Isso é realmente um problema ... Existem muçulmanos, confucionistas, budistas, judaístas etc. Há também muitos aderindo ao cristianismo. Aqui há um missionário cristão, entre outros, e estou procurando por aquele que está certo, aquele que posso acreditar.

Há duas abordagens aqui, talvez existem mais, mas vou apontar apenas duas. Uma delas, para entender qual religião é a verdadeira (que corresponde objetivamente à natureza humana, aos esforços humanos, à compreensão humana do sentido da vida), é o método da teologia comparativa. É um longo caminho; para passar, deve-se estudar cada religião. Mas nem todos são capazes de fazê-lo, é preciso tempo, força e certas habilidades para estudar tudo isso - além do mais é preciso muito esforço da alma.

Mas também existe uma maneira diferente. Afinal cada religião é destinada ao homem, dizem: a verdade é essa e nada mais. Ao mesmo tempo, todos os pontos de vista e todas as religiões afirmam uma coisa simples: o estado atual das coisas, as condições em que vivemos (políticas, sociais, econômicas, por um lado e espirituais, morais, culturais, por outro) não são normais, não podem nos contentar e, mesmo se alguém estiver pessoalmente satisfeito, a maioria esmagadora sofre com isso em maior ou menor grau. As condições não satisfazem a humanidade como um todo, procura-se por algo diferente, algo maior. Esforça-se por um futuro desconhecido, espera-se pela "era de ouro" - o estado atual das coisas não satisfaz ninguém.

Deste modo fica claro por que a essência de cada religião e todo tipo de visão de mundo se resume à doutrina da salvação. E apenas aqui estamos diante de algo que nos dá a chance de fazer uma escolha razoável nesta diversidade religiosa. Em contraste com as outras religiões, o cristianismo afirma algo que é absolutamente desconhecido nas outras religiões (sem mencionar visões não-religiosas). Não só isso, elas não sabem disso e rejeitam com indignação quando o enfrentam. É a ideia do chamado pecado original. Todas as religiões - e até todas as visões de mundo e ideologias - falam sobre o pecado. Elas chamam isso de forma diferente, mas não importa. Mas nenhuma delas considera a natureza humana em seu estado atual como corrompida, doente. E o cristianismo afirma que o estado em que nós, humanos, nascemos, crescemos, nos educamos, amadurecemos, o estado, no qual desfrutamos da vida, nos divertimos, estudamos, realizamos descobertas e assim por diante - este estado é de uma doença profunda, corrupção profunda. Estamos doentes. Não se trata de gripe ou bronquite ou de uma doença psíquica. Não; somos psicologicamente e fisicamente sãos - podemos resolver problemas e voar para o espaço, mas ainda assim estamos gravemente doentes. No início da existência humana, ocorreu uma estranha e trágica separação do único ser humano em partes - mente, coração, corpo - autônomas e muitas vezes antagonicas. É absurdo o que o cristianismo afirma, certo? As pessoas estão indignadas: "Estou louco? Desculpe, talvez os outros, mas não eu". Mas se o cristianismo está certo, é bem aqui, na própria raiz, onde se encontra a fonte porque a vida humana (individualmente ou na escala universal) conduz a uma tragédia após a outra. Pois, se uma pessoa está gravemente doente, e não sabe - e conseqüentemente não cura a doença-, tal doença matará pessoa.

Outras religiões não reconhecem essa doença no ser humano. Elas a rejeitam. Elas acreditam que o homem é uma semente saudável, que pode desenvolver-se normalmente, ou anormalmente. O seu desenvolvimento é condicionado pelo ambiente social, condições econômicas, fatores psicológicos e muitas outras coisas. É por isso que o homem pode ser bom ou ruim, mas por natureza ele é bom. Esta é a principal antítese da percepção não-cristã. Somente o cristianismo afirma que nosso estado presente é o estado de corrupção profunda, que é impossível para o homem sozinho curá-lo. Essa idéia é o fundamento do maior dogma cristão de Cristo, o Salvador.

Essa idéia é a principal divisão entre o cristianismo e todas as outras religiões.


Além disso, vou tentar mostrar que o cristianismo, diferentemente das outras religiões, tem uma confirmação objetiva desta afirmação. Examinemos  na história da humanidade e seus propósitos em todo o período acessível para nossa análise. Certamente, a humanidade quis criar o Reino de Deus na Terra, criar o paraíso. Às vezes, com Deus, e neste caso, Ele era considerado como o meio para alcançar o bem-estar na Terra, mas não como o propósito final da vida. Às vezes, sem Deus. Mas o que é importante aqui é que todo mundo entendeu que o Reino de Deus na terra é impossível sem coisas tão básicas como a paz, a justiça, o amor (é claro que o paraíso é impossível onde há guerras, injustiças e a maldade prevalece, etc.), e talvez, respeito mútuo. Todo mundo compreende perfeitamente, sem tais valores morais básicos, sem a sua compreensão, é impossível alcançar qualquer bem-estar na Terra. Não está claro? Sim. Mas com o que a humanidade está ocupada em toda a história? O que estamos fazendo? Erich Fromm afirmou muito bem: "A história humana é escrita com sangue. É história de uma violência incessante". Bem direto ao ponto.

Penso que os historiadores, especialmente os militares, poderiam mostrar de forma muito clara a história da humanidade: guerras, derramamento de sangue, violência e crueldade. O século 20 deveria ter sido, teoricamente, o século do humanismo mais elevado. E, no entanto, nos mostrou o humanismo em sua "perfeição", superando todos os séculos anteriores pelo sangue derramado. Se nossos antepassados ​​pudessem ver o que aconteceu no século 20, eles estremeceriam com horror pela escala de crueldade, injustiça e mentiras. Existe uma espécie de paradoxo incompreensível de que, no curso de sua história, a humanidade faz exatamente o oposto de sua idéia e objetivo principal; objetivos visados originalmente por todos os seus esforços.

É por isso que faço a pergunta retórica: "É possível que um ser razoável se comporte desse jeito?" A história está meramente rindo de nós: "Verdadeiramente, a humanidade é razoável e sã. Não é insana, de modo algum. Apenas faz mais e se comporta pior do que os pacientes de um hospício".

Infelizmente, isto é um fato que não há como se esconder. E isso não nos mostra apenas alguns erros da humanidade mas que esta é uma característica paradoxal típica de toda a humanidade.

Agora, se examinarmos uma única pessoa, ou para ser mais exato, se uma pessoa tiver força moral suficiente para se olhar, verá uma imagem surpreendente. O apóstolo Paulo corretamente a caracterizou: "Ó homem miserável que eu sou! Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço". E, de fato, aquele que presta um pouco de atenção ao que acontece em sua alma, que enfrenta a si mesmo, não pode deixar de ver quão seriamente se encontra espiritualmente doente, propenso a várias paixões, escravizado por elas. Não é sensato perguntar: "Por que você está, homem miserável, bêbado, mentindo, invejando, fornicando, etc.? Fazendo isso, você está se matando, destruindo sua família, mutilando seus filhos, envenenando toda a atmosfera ao seu redor. Por que você está se batendo, se cortando, se esfaqueando, arruinando seus nervos, sua psique e seu corpo? Você entende que isto é desastroso para você?" "Sim, eu entendo isso, mas não posso deixar de fazer isso." Certa vez Basílio, o Grande disse: "A pior das paixões já nascida nas almas humanas é a inveja". Em regra, mesmo sofrendo, não se pode lidar com essa doença. No fundo de sua alma, cada homem razoável compreende as palavras de Paulo: "Eu não faço o bem que eu deveria, mas o mal, que eu odeio".

Ao mesmo tempo, examinemos como uma pessoa que leva uma reta vida cristã pode mudar. Aqueles que conseguiram se livrar das paixões, adquiriram a humildade, "adquiriram", - de acordo com as palavras de São Serafim de Sarov, - "o Espírito Santo", alcançaram um estado psicologicamente muito interessante: passaram a enxergar a si mesmo como os piores pecadores . Pimen o Grande disse: "Acredite, irmãos, onde Satanás será lançado, também serei lançado"; quando Sisoi o Grande estava morrendo, seu rosto iluminava como sol e era impossível olhar para ele, e implorou a Deus que lhe desse mais tempo para o arrependimento. O que era isso? Hipocrisia, humildade pretensiosa? Nada do tipo. Eles temiam pecar até mesmo em seus pensamentos, por isso falaram de seu coração; eles sinceramente disseram o que sentiam. No entanto, não sentimos isso. Estou cheio de todo tipo de sujeira, mas acredito que sou um homem muito bom. Eu sou um bom homem! Mas se eu faço algo errado, então, penso "Quem é sem pecado? Os outros não são melhores do que eu... e o culpado não sou eu, mas os outros". Nós não vemos nossa alma, é por isso que somos tão bons aos nossos olhos. Veja que grande diferença existe entre a visão espiritual de um santo e de um homem comum!

Gostaria de enfatizar mais uma vez. O cristianismo afirma que, em sua natureza, em seu presente estado, chamado de normal, o homem está profundamente corrompido. Infelizmente, devido a essa estranha cegueira, somos quase completamente incapazes de ver nossa doença. É bem perigoso, porque quando alguém nota sua doença, toma-se remédios, vai-se aos médicos e busca-se ajuda. Mas quando se enxerga a si mesmo como saudável, ele mesmo envia para o médico quem lhe diz que está doente. Este é o sintoma mais difícil da corrupção presente em nós. E esta presença é inequivocamente testemunhada pela história da humanidade e pela história individual de cada pessoa. É para tal lugar que o Cristianismo está apontando.

A confirmação objetiva desse fato, apenas uma verdade da fé cristã (sobre a corrupção da natureza humana) me sugere qual religião eu tenho que escolher: ou escolho uma religião que descobre minhas doenças e oferece meios para curá-las, ou uma religião que as esconde, que nutre o orgulho e diz: tudo é bom, tudo é maravilhoso, não é necessário se curar, mas deve-se curar o mundo ao seu redor, deve-se esforçar-se para o desenvolvimento e a perfeição. A experiência histórica nos mostra o que significa rejeitar o tratamento.
A. I. Osipov 

Bom, chegamos ao cristianismo. Glória ao Senhor, finalmente encontrei a verdadeira fé. Agora eu entro na próxima sala, e novamente há muitas pessoas, e novamente ouço gritos: "Minha fé cristã é a melhor de todas". Os católicos convidam: "Veja, nós somos 1 bilhão 45 milhões no mundo". Os protestantes de várias denominações dizem que são 350 milhões. Os ortodoxos são o menor número dali - apenas 170 milhões de pessoas. Alguém nos alerta: a verdade não está nos números, mas na essência. A questão ainda é extremamente séria: "Onde está o verdadeiro cristianismo?"

Existem também várias maneiras de resolver esta questão. No seminário estudamos sistemas dogmáticos, comparando o Catolicismo e o Protestantismo com a Ortodoxia. Esta maneira é interessante e confiável, mas ainda, na minha opinião, não é perfeita, porque para uma pessoa sem educação e conhecimento profundo, não é fácil chegar ao fundo das disputas dogmáticas e aclarar quem está certo e quem está errado. Além disso, muitas vezes os oponentes usam truques psicológicos fortes que podem ser bastante confusos. Por exemplo, discutimos o problema da primazia do Papa com os católicos, e eles dizem: "Papa? Bem, esta primazia e infalibilidade do Papa é tão insignificante... É o mesmo que a autoridade do Patriarca em relação a vocês. A infalibilidade do Papa e seu poder não é realmente diferente da autoridade das declarações e do poder do líder de qualquer Igreja Ortodoxa local". Entretanto, na verdade, temos que lidar com níveis dogmáticos e canônicos absolutamente diferentes aqui. Então, o método dogmático comparativo não é tão simples. Especialmente quando enfrentamos pessoas que não só conhecem o campo, mas tentam convencê-lo a qualquer preço.

Mas há uma maneira diferente que mostra, aparentemente, o que o catolicismo é e para onde conduz. Este é também um método de investigação comparativa, mas trata-se da investigação da esfera espiritual da vida, demonstrada na vida dos santos. Aqui, todo o engano (como é chamado na linguagem ascética) da espiritualidade católica é revelado; engano repleto de consequências muito graves para um asceta que escolheu este caminho. Sabe, às vezes eu dou palestras públicas, atendida por diferente pessoas. Freqüentemente me fazem a pergunta: "Qual é a diferença do Catolicismo e a Ortodoxia? Onde está o erro? Não é apenas um caminho diferente para Cristo?" Percebi que muitas vezes basta dar alguns exemplos da vida dos místicos católicos para os inquiridores dizerem: "Obrigado, agora ficou claro. Já basta".

De fato, qualquer Igreja Ortodoxa local ou Igreja não-Ortodoxa pode ser julgada por seus santos. Diga-me quem são os seus santos e digo o que é a sua Igreja. Qualquer Igreja chama de santos apenas aqueles que realizaram em sua vida o ideal cristão, como esta Igreja o entende. É por isso que a canonização de um certo santo não é apenas o testemunho da Igreja sobre este cristão, que segundo seu julgamento é digno da glória e sugerido por ela como um exemplo a ser seguido. É ao mesmo tempo um testemunho da Igreja sobre ela mesma. Através dos santos, podemos julgar melhor a verdadeira ou imaginária santidade da Igreja.

Eu vou lhe dar alguns exemplos para ilustrar a idéia de santidade na igreja católica.

Um dos grandes santos católicos é Francisco de Assis (século XIII). Sua mentalidade espiritual é revelada através dos seguintes fatos. Certa vez Francisco orou por um longo tempo (o tema de sua oração é muito indicativo) "sobre duas misericórdias": "A primeira é ... que eu possa passar por todos os sofrimentos que Você, amável Jesus, passou na Sua paixão excruciante. E a segunda misericórdia ... é que eu possa sentir o amor infinito, com o qual Você, Filho de Deus, ardeu". Como vemos, Francisco estava preocupado não com o sentimento de ser pecaminoso, mas clamava abertamente por igualdade com Cristo! Durante esta oração, Francisco "sentiu-se absolutamente transformado em Jesus"; viu [Jesus] certa vez como um Serafim de seis asas, atingindo-o com flechas disparadas nos pontos das chagas da crucificação de Jesus Cristo (mãos, pés e lado direito). Após essa visão apareceram dolorosas chagas sangrentas (estigmas) - os traços da "paixão de Jesus" (M.V. Lodyzhensky, pág. 1915. - P.109).

A natureza desses estigmas é bem conhecida na psiquiatria: a concentração permanente da atenção nas paixões de Cristo excita os nervos e a psique e pode causar esse efeito após um longo exercício. Não há graça aqui, porque em tal compaixão com Cristo não há amor verdadeiro sobre o qual o Senhor disse diretamente: Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; (Jo.14: 21 ). É por isso que a substituição da luta com o velho homem por emoções imaginárias de "compaixão" é um dos erros mais graves na vida espiritual, que leva muitos ascetas à autoconfiança, ao orgulho - ao engano espiritual evidente acompanhado de transtorno mental direto (veja os "sermões" de Francisco para pássaros, lobos, tartarugas, cobras, flores, pedras, minhocas).

O objetivo de vida estabelecido por Francisco também é muito indicativo: "Laborei e queria laborar mais ..., porque traz honra" (São Francisco de Assis. - M., Izd. Frantsiskantsev, 1995. - P.145). Francisco deseja sofrer pelos outros e expiar seus pecados (P.20). E no final de sua vida ele disse francamente: "Não conheço nenhuma transgressão minha, que não expus pela confissão e o arrependimento" (M.V.Lodyzhensky. - p.129). Tudo isso atesta que ele não enxergava seus pecados, isto é, sua cegueira espiritual total.

Para comparação, descreverei-lhe um momento da vida de São Sisoi o Grande (século V). "Pouco antes de sua morte, cercado pelos irmãos, quando Sisoi parecia conversar com seres invisíveis, à pergunta "Pai, conte-nos, com quem conversas?", ele respondeu: "Os anjos vieram para me levar, mas eu rezo para que eles me deixem ficar aqui um pouco mais para arrepender-me." Sabendo que Sisoi era perfeito em virtudes, os irmãos se opuseram a ele: "Pai, você não precisa de arrependimento", e Sisoi respondeu assim: "Na verdade, não sei nem se comecei a causa do meu arrependimento" (Lodyzhensky. - p.133). Esta profunda compreensão, visão da própria imperfeição é o principal traço distintivo de todos os verdadeiros santos.

E aqui estão alguns extratos de "Revelações da Beata Angela" († 1309) (Revelações da Beata Angela - M., 1918).

O Espírito Santo, ela escreve, lhe disse: "Ó, minha filha, minha dulcíssima, eu te amo tanto" (p.95). "Eu estive com os apóstolos e eles me viram com seus olhos corporais, mas não me sentiam como você me sente" (p.96). Angela também revela essas coisas sobre si mesma: "Na escuridão, vejo a Santíssima Trindade e sinto que eu mesma habito dentro da Trindade na escuridão no meio desta" (c.117). Seus sentimentos para Jesus Cristo, ela expressa com as seguintes palavras: "Eu poderia colocar todo o meu ser no interior de Jesus Cristo" (p.176). Ou: "Chorei por Sua doçura e sofri por Sua partida e quis morrer" (p.101) - e, em tais momentos, ela começaria a bater-se tão violentamente que as freiras precisavam tirá-la do kostel (p.83).

Um dos maiores filósofos russos religiosos do século XX A.F.Losev dá uma avaliação precisa, mas verdadeira, das "revelações" de Angela. Ele escreveu: "Ser tentado e seduzido pela carne resulta no aparecimento do Espírito Santo para a Beata Angela, que lhe sussurra palavras amorosas: "Minha filha, você é Minha dulcíssima, Minha filha, você é Minha morada, Minha filha, você é Meu deleite, ame-me, pois Eu amo muito você, muito mais do que você Me ama."

O Santa está em uma doce languidez, distante com um amor languido. E o amado aparece mais uma vez e mais e mais arde seu corpo, seu coração, seu sangue. A Cruz parece ser para ela a cama de casal... O que poderia contrastar mais com os ascetas castos e austeros bizantinos-moscovitas do que essas declarações contínuas: "Minha alma foi aceita na luz divina e elevada", - seu olhar apaixonado para a Cruz do Senhor, para as chagas de Cristo e os membros individuais de Seu corpo, sua intenção de chamar as marcas de sangue para seu corpo, etc.? Para coroar tudo isso, Cristo abraça Angela com Sua mão, pregada na cruz, e ela diz-lhe cheia de languidez, tormento e felicidade: "Às vezes, neste abraço forte, minha alma parece entrar no lado de Cristo. E é impossível descrever a alegria e a iluminação que se sente lá. É tão forte que não conseguia me levantar, estava deitada e minha língua e meus membros ficaram adormecidos (A F Losev. Ensaios sobre simbolismo antigo e mitologia. - M., 1930. - V.1. - p.867-868).

Santa Catarina de Siena (+1380) é um exemplo mais vívido da santidade católica. Ela foi canonizada pelo Papa Paulo VI no mais alto nível de santos - "Doutores da Igreja" (Doctor Ecclesiae). Vou citar alguns extratos do livro católico de Antonio Sikari "Retratos dos santos". Para mim, esses extratos não precisam de comentários.

Catarina tinha cerca de 20 anos. "Ela sentia que um ponto decisivo de sua vida estava se aproximando e ela manteve orações devotas para o Senhor Jesus, repetindo uma fórmula mais bela e terna que se tornou habitual para ela:" Una-se em matrimônio de fé comigo!" (Antonio Sikari Retratos de santos. V.II. - Milano, 1991. - p.11).

"Uma vez Catarina teve uma visão: seu noivo divino a abraçou e a atraiu para Si, então Ele tirou o coração do peito dela e deu-lhe outro, que era mais semelhante ao Seu" (p.12).

Certa vez que foi dito que ela morreu. "Mais tarde ela disse que seu coração estava lacerado pelo amor divino e que ela passou pela morte tendo visto as portas do paraíso". Mas "volte, Minha filha, o Senhor me disse, você deve retornar ... Eu a guiarei aos príncipes e mestres da Igreja". "E a humilde jovem começou a enviar suas mensagens para todo o mundo, longas cartas, que ela ditava com uma rapidez surpreendente, às vezes três ou quatro de cada vez e sobre assuntos diferentes, porém, sem se atrapalhar e antes de suas secretárias. Essas cartas terminam com uma fórmula apaixonada: "O mais doce Jesus, Jesus o Amor" e muitas vezes são abertas com as palavras: "Eu, Catarina, serva de Jesus e escrava de Seus escravos, estou escrevendo para você em Seu precioso sangue ..." ( 12).

"A principal coisa que chama atenção nas cartas de Catarina é a insistente repetição das palavras: 'Eu quero'" (12).

"De acordo com alguns, ela, em êxtase, dirigiu-se com essas palavras resolutas 'eu quero' até com Cristo" (13).

Em sua correspondência com Gregório XI, a quem tentou persuadir para voltar de Avinhão a Roma: "Digo-vos em nome de Cristo ... Eu vos digo, Pai, em Jesus Cristo ... Responda ao chamado do Espírito Santo, dirigido a você "(13).

Ela dirigiu-se ao rei da França com as seguintes palavras: "Cumpra a vontade de Deus e a minha" (14).

As "Revelações" de Teresa de Ávila, canonizada pelo mesmo Papa Paulo VI como Doutora da Igreja (século XVI), não são menos indicativas. Antes da morte, ela exclamou: "Oh, meu Deus, meu Esposo, finalmente te vejo!" Esse clamor, extremamente estranho, não foi por acaso. É um resultado natural do exercício "espiritual" de Teresa, cuja essência é revelada, por exemplo, no seguinte fato.

Depois de várias aparições, "Cristo" diz a Teresa: "A partir deste dia você será Minha esposa ... De agora em diante eu não sou apenas o seu Criador, Deus, mas também seu Cônjuge" (DS Merezhkovsky. Místicos espanhóis. - Bruxelas, 1988. - P. 88). "Oh, Senhor, eu quero ou sofrer com você, ou morrer por você!" Teresa reza e colapsa completamente exausta com essas carícias... ", escreve D. Merezhkovsky. Depois disso, não é nenhuma surpresa, quando Teresa confessa: "O Amado chama minha alma com um assovio tão penetrante que não posso deixar de ouvi-lo. Este chamado toca tanto a alma que esta se rompe com o desejo". Não é por acaso que o renomado psicólogo americano William James, analisando experiência mística dela, escreveu que "sua compreensão da religião foi reduzida a um flerte interminável entre o adorador e a divindade " (James W. Variedade das Experiências Religiosas/Transl. From English. - M., 1910. - P.337).

Mais uma ilustração da idéia de santidade no catolicismo é Teresa de Lisieux (Teresa a Pequena ou Teresa do Menino Jesus), que morreu aos 23 anos e, em 1997, marcando o 100º aniversário de sua morte, João Paulo II, por sua decisão "infalível" declarou que ela era mais uma Doutora da Igreja Ecumênica. Aqui estão algumas citações da autobiografia espiritual de Teresa "História de uma alma", testemunhando expressamente seu estado espiritual (História de uma alma // Símbolo, 1996, nº 36. - Paris. - P.151).

"Em uma entrevista, antes de tomar o véu, eu revelei o que eu faria no Carmelo: Eu vim para salvar almas, e antes de tudo para rezar pelos sacerdotes" (não para salvar a si mesma, mas os outros!).

Falando sobre seu desmerecimento, ela acrescenta: "Eu invariavelmente mantenho uma esperança audaz de me tornar uma grande santa ... Pensei que nasci para a glória e procurei as maneiras de alcançá-la. Então, Senhor, nosso Deus ... deixe-me saber que a minha glória não será revelada ao julgamento de um mortal, e a essência disso é que serei uma grande santa!!! " (compare com Macário o Grande, a quem as pessoas chamavam de "deus na terra", que, no fim de sua vida, rezava: "Ó Deus, purifica-me, pecador que sou, pois nunca fiz nada de bom aos teus olhos"). Mais tarde Teresa escreveu ainda mais francamente: "No coração da minha Igreja-Mãe, eu serei Amor... por isso eu me tornarei tudo... e meu sonho se tornará realidade!!!"

A doutrina de Teresa sobre o amor espiritual também é extremamente "notável": "Era um beijo de amor. Eu me senti amada e disse: "Eu Te amo e comprometo-me a Você para sempre . Não houve pedidos, nem luta, nem sacrifícios; há muito tempo Jesus e a pequena pobre Teresa entenderam tudo depois de um único olhar... Este dia trouxe não apenas olhares recíprocos, mas uma fusão, quando não havia mais dois, e Teresa desapareceu como uma gota de água perdida na profundidade do oceano". Eu acho que nenhum comentário é necessário para esse romance fantasioso de uma pobre menina - uma Doutora da Igreja Católica.

A experiência mística de um dos pilares dos místicos católicos, fundador da Ordem dos jesuítas, Inácio de Loyola (século XVI), também baseou-se no desenvolvimento metódico da imaginação.

Seu livro "Exercício Espiritual", que possui grande autoridade entre os Católicos, convida o Cristão a imaginar e contemplar a Santíssima Trindade, Cristo, a Mãe de Deus, os anjos, etc. Tudo isso contradiz fundamentalmente os fundamentos dos feitos espirituais dos santos da Igreja Ecumênica, pois conduz os fiéis a total desordem mental e espiritual.

Uma coleção de escritos ascéticos da antiga Igreja "Dobrotolubie" ("Filocalia") proíbe estritamente esse tipo de "exercício espiritual". Aqui estão algumas citações.

São Nilus do Sinai (5 ° século) adverte: "Não deseje ver sensivelmente Anjos ou Virtudes, ou Cristo, caso contrário você ficará louco tomando um lobo como pastor e se curvando para inimigos demoníacos" (São Nilus do Sinai). 153 Capítulos sobre Oração. Ch.115 // Dobrotolubie: Em 5 volumes. V.2. 2ª edição. - M., 1884. - p. 237).

São Simeão, o Novo Teólogo (século XI) sobre aqueles que "imaginam bênçãos celestiais, hostes de anjos e moradas de santos" na oração diz definitivamente  "isto é um sinal de prelest" (engano espiritual). "Agindo assim, mesmo aqueles que vêem a luz com seus olhos corporais, sentem fragrâncias com o nariz, ouvem vozes com os ouvidos e outros são seduzidos." (São Simeão, o Novo Teólogo). // Dobrotolubie V. 5. M., 1990. p.463-464).

São Gregório o Sinaíta (século XIV) lembra: "Nunca aceite coisas ao ver algo sensível ou espiritual, dentro ou fora, mesmo que tenha uma imagem de Cristo ou um anjo ou um certo santo... Aquele que aceita isso é facilmente seduzido... Deus não se ressente daquele que está atento a si... mesmo se, temendo ser seduzido, não se aceita o que Ele dá... mas, ao contrário, o elogia como sábio" (São Gregório o Sinaíta. Hesyhast instruction // . - p .224).

Assim, o dono de terras, que São Ignácio Brianchaninov descreve em sua obra, estava certo, quando viu o livro católico "A Imitação de Cristo" de Thomas a Kempis (século XV) e disse: "Pare de brincar de romance com Deus". Os exemplos acima não deixam dúvidas da verdade dessas palavras. Infelizmente, a igreja Católica perdeu a arte para distinguir o espiritual do sensível e a santidade dos devaneios e, portanto, também o Cristianismo do paganismo.

Isso é o que eu queria dizer sobre o Catolicismo.

Para deixar claro em relação ao protestantismo é suficiente dar uma olhada na sua dogmática. Para examinar a sua essência, vou me limitar à doutrina central do protestantismo: "O homem é salvo apenas pela fé e não por ações, é por isso que o pecado não é contado ao crente como pecado". Aqui está a questão principal onde os protestantes ficaram confusos. Começam a construir a casa da salvação desde o 10º andar, tendo esquecido do ensino da Igreja antiga que tipo de fé salva o homem. 

Qual a diferença na compreensão da fé na Ortodoxia e no Protestantismo? A Ortodoxia diz que o homem é salvo pela fé, mas o pecado é contado ao crente como pecado. Que tipo de fé é esta? - Não é mental, mas o estado adquirido pela vida cristã correta, graças ao qual assegura-se que somente Cristo pode salvá-lo da escravidão e paixões. Como alguém pode alcançar esse estado de fé? Através da compulsão para observar os mandamentos do Evangelho e arrependimento sincero. São Simeão, o Novo Teólogo, diz: "Através da estrita observância dos mandamentos de Cristo, o homem aprende sua enfermidade", isto é, descobre sua incapacidade de extirpar paixões sem a ajuda de Deus. Pois para o homem sozinho isto é impossível, mas, com Deus, tudo é possível. A vida cristã correta revela ao homem, em primeiro lugar, suas paixões - enfermidade, em segundo lugar, que Deus está próximo de cada um de nós e, finalmente, que, em qualquer caso, Ele está pronto nos resgatar e nos salvar do pecado. Mas Ele não nos salva não sem nossos esforços e luta. O ato de fé é necessário para nos capacitar a aceitar Cristo, pois nos mostra que não podemos nos curar sem Deus. Somente quando estou me afogando, percebo que preciso de um Salvador, quando não há ninguém nas margens; e só quando sinto que estou me afogando nas paixões, eu me volto para Cristo. E Ele vem e ajuda. É aí que começa a fé viva-salvífica. O ensino da Ortodoxia é sobre liberdade e dignidade do homem como colaborador de Deus em sua salvação, e não como um "pilar de sal" de acordo com Lutero que não pode fazer nada. Isso deixa claro o significado de todos os mandamentos do Evangelho, levando o Cristão à salvação, não somente pela fé, e torna óbvia a verdade da Ortodoxia.

Alexey Osipov
18 / 03 / 2004

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