domingo, 30 de abril de 2017

Ortodoxia e o Ocidente (Christos Yannaras)

O termo "Ocidente" traz consigo diversas conotações. Significa certamente algo mais do que uma região geográfica, e mesmo algo mais do que um fenômeno cultural particular. Significa um desenvolvimento e uma diferenciação únicos na teologia e na espiritualidade comparados à teologia e à espiritualidade do oriente cristão. Geralmente encontramos a parte mais importante dessa diferenciação na área da eclesiologia.

No entanto, para além das conotações específicas do termo "Ocidente", e mesmo para além do desenvolvimento teológico e confessional que significa, penso que hoje somos obrigados a procurar um significado original nesta palavra. É mais evidente em nossos dias do que em tempos anteriores que os termos "Ocidente" e "homem Ocidental" representam uma "postura" ou atitude humana básica em relação ao mundo e à história, uma postura que se desenvolveu nos últimos séculos, crescendo do espírito liberal da Renascença e do surgimento das ciências positivas e da tecnologia. Suas pressuposições, no entanto, remontam aos séculos anteriores e às estruturas mentais e sociais do Ocidente medieval. Antes de prosseguir com qualquer outra coisa, assim,  é necessário definir, ainda que brevemente, a estrutura dessa postura, suas conseqüências históricas e os fatores que a levaram até ela.

Os pressupostos da tecnologia moderna e, consequentemente, das mudanças radicais nas instituições sociais e políticas - a transição completa de uma sociedade industrial agrária para a moderna são muitas vezes atribuídas a Descartes e à preeminência atribuída à capacidade silogística do homem enquanto sujeito. Isso define o contexto histórico e objetivo da postura que procuramos definir. No entanto, a preeminência atribuída ao poder silogístico e à metodologia racionalista e analítica tem suas raízes em épocas muito mais antigas. Heidegger assegurou-nos que Descartes representa o resultado final natural da escolástica ocidental [1]. Mais uma vez, Erwin Panofsky, em seu estudo muito interessante, Arquitetura Gótica e Escolástica [2], mostrou como a arquitetura gótica é a contrapartida tecnológica do pensamento escolástico, um protótipo da aplicação da estrutura analítica do escolasticismo na área do empenho tecnológico. Esta aplicação torna-se o ponto de partida para o desenvolvimento posterior da tecnologia. Paradoxical que isso possa parecer, não é de forma arbitrária ligar a ascensão da tecnologia com a teologia.


Os pressupostos teológicos por trás da tecnologia moderna não se limitam à metodologia analítica da escolástica ocidental. A metodologia escolástica revela uma causa muito mais profunda de reivindicação do homem pelo esforço intelectual para assegurar domínio sobre todo o reino da verdade acessível e por sua tendência para definir e distinguir as fronteiras entre as capacidades do homem e a realidade transcendente de Deus. A definição de teologia de Tomás de Aquino é bem conhecida:

“No entanto, o ensinamento sagrado também faz uso do raciocínio humano, não para provar a fé (porque isso acabaria com o mérito de crer), mas para tornar manifesto algumas das coisas que são dadas neste ensinamento.” [3]


Esse "tornar manifesto" ou a explicação da verdade revelada através do poder do intelecto e o uso rigoroso da razão no âmbito da verdade revelada, enfaticamente estabelecem uma fronteira entre o homem e Deus, entre a capacidade silogística do sujeito e a realidade incompreensível de Deus. No final, o limite é estabelecido entre a natureza divina e a natureza humana, uma consequência que negligencia a unidade das duas naturezas em uma só pessoa, isto é, a possibilidade de participação pessoal e não meramente "clarificação" lógica da verdade divina concernente a Deus. A metodologia analítica escolástica representa, então, uma postura mais profunda que é essencialmente antropocêntrica: a disposição do homem para dominar a verdade que lhe é acessível e dominá-la como indivíduo, como sujeito e como possuidor da capacidade silogística. A esfera imediata da verdade empírica que lhe está aberta, a primeira revelação que ele deve "tornar manifesto", é a realidade do mundo físico, o cosmo criado. O homem na tradição escolástica ocidental não participa pessoalmente da verdade do cosmos. Ele não procura externalizar o significado, o logos das coisas, a revelação da atividade pessoal de Deus, o cosmos. Ele não procura externalizar o significado, o logos das coisas, a revelação da atividade pessoal de Deus no cosmo, mas procura, com seu intelecto individualista, dominar a realidade do mundo físico. Essa postura constitui verdadeiramente a base de todo o fenômeno da tecnologia moderna.


O conceito de homem como mônada individual pensante, como "uma criatura dotada de razão" (animal rationale), coincide com o caráter ontológico mais amplo do pensamento medieval e ocidental (exceto Heidegger). Trata-se de uma ontologia de categorias ónticas, ou seja, uma ontologia que examina tudo o que existe e apreende a sua verdade em termos de conceitos, estabelecendo uma estreita relação entre o objeto de pensamento e seu conceito (adaequatio rei et intellectus). Diretamente ou indiretamente, essa forma ontológica de pensamento identifica a existência e o pensamento (cogito ergo sum) e coloca a questão do princípio da existência, concernente ao Ser, como uma questão sobre a causa das coisas. Ser é o que faz com que as coisas existam. Essa formulação, por si só, é suficiente para indicar o contexto ôntico do Ser, a compreensão do Ser como uma coisa. O Ser, como resultado final específico da referência causal das coisas, é também uma categoria ôntica, um ser entre outros seres, embora qualitativamente maior [4], e a causa de si e de todos os outros seres. Toda a visão teocêntrica do mundo da tradição cultural ocidental baseia-se nesta compreensão ônica do Ser. Deus é o Supremo Ser Divino, a Primeira Causa (causa prima) no esquema da cosmologia, e o princípio avaliativo da Ética.

O resultado direto desse pensamento ontológico, que formou a base racional de toda apologética cristã, no "banimento" de Deus, como é corretamente chamado, do cosmos até sua transferência para o "céu", para um reino que está além das regiões acessíveis à experiência. Este Ser, que é Deus, está separado da esfera da experiência humana pelo tipo de fronteira que separa o conhecido e o desconhecido, a realidade empiricamente inexistente e a realidade empiricamente não-existente, a realidade sensível e a compreensão conceitual. O homem está livre para dominar a natureza e a história. O resultado, historicamente, é uma profunda cisão entre religião e vida, uma espécie de "esquizofrenia espiritual" que basicamente caracteriza a postura ocidental em relação ao mundo e à história. Por um lado, está a vida, suas necessidades e demandas, a obrigação do indivíduo de organizá-lo e atualizar seu potencial, o desejo do indivíduo de transformar dinamicamente seu lugar na história. Por outro lado, há a religião, a intervenção do transcendente na vida cotidiana, uma intervenção estranha à vida, que só pode encontrar ecos lógicos e psicológicos no homem. A expressão da necessidade lógica e psicológica da religião no Ocidente não ocorre através de outras formas além de símbolos. A vida religiosa é separada da experiência diária e da utilização empírica direta do mundo. A única possibilidade experiencial que resta é uma espécie de refúgio psicológico num misticismo de símbolos e na demonstração lógica de verdades metafísicas abstratas. O cristianismo no Ocidente não é uma nova utilização do mundo, mas sim uma utilização de símbolos, um esforço lógico e psicológico para se relacionar com o desconhecido transcendente por meio de alegorias e idéias. Além disso, esses símbolos, tanto quanto possível, são "espiritualizados" e tornados imateriais na Eucaristia, que é um ato concreto de utilização direta do cosmos, os elementos materiais são postos de lado como se devessem necessariamente ser espiritualizados. O vinho é totalmente excluído dos elementos da comunhão e o pão deixa de ser o pão da vida cotidiana do homem: é perdido, sem levedura, uma sombra de sua essência, um símbolo espiritualizado e não o pão que sustenta o homem. A vida religiosa do Ocidente constitui uma "aspersão" de elementos externos, aditivos, em vez de uma imersão nos elementos do mundo, uma espécie de morte que antecipa a ressurreição. É típico que, na disposição horizontal da cidade medieval europeia, a religião rompe desde cima, de forma vertical, expressa pela arquitetura gótica que assim encarna a autoridade do transcendente dentro da vida humana. Tal autoridade, dependente de categorias lógicas e psicológicas, não pode deixar de provocar a rebelião da parte do homem. De dentro de uma catedral gótica pode-se compreender e justificar toda forma de rebelião do homem europeu contra a autoridade religiosa desde a Reforma e do Renascimento ao freudismo e ao marxismo. O homem colocaria em risco a possibilidade de manter sua própria humanidade se tolerasse a autoridade de um Deus que o confronta com magnitudes tão destrutivas, apesar de que só símbolos a expressam.


A rebelião contra o transcendente é um aspecto essencial da postura que o Ocidente desenvolveu contra o mundo e a história. É um pressuposto integral dessa postura e um resultado mais consistente da fronteira divisória estabelecida entre a capacidade humana e a autoridade divina.


O gênio filosófico de Kant, dentro dos pressupostos do pietismo protestante, procurou preencher o fosso e a oposição entre o transcendente e o mundano, entre religião e vida. A ponte é construída sobre o terreno da finalidade ética. Deus não é definido em termos de lógica, mas da necessidade ética. Ele constitui uma verdade empírica, na medida em que está relacionado com a exigência ética inerente à consciência humana. Deus se torna o ponto de partida empírico da razão pura para a definição da Primeira Causa e o propósito final do ato ético. O divino é interpretado em termos de obrigação ética. A postura do individualismo e do éticismo desenvolvidos pela primeira vez na escolástica ocidental foi completada pelo ponto de partida ontológico de Kant que, simultaneamente, resumiu o desenvolvimento inevitável no Ocidente, tanto do cristianismo quanto de todos os movimentos anti-cristãos. Depois dele, até os mais radicais adversários da tradição metafísica ocidental de Marx a Sartre (com talvez a única exceção de Heidegger), permaneceram presos à compreensão ética do problema da ontologia. E, no que se refere à vida cristã, estamos vivendo hoje dentro do âmbito muito amplo que implica o termo "Ocidente" e a aplicação mais completa possível dos pontos de vista de Kant. O cristianismo, em sua maior parte, é uma ética individualista - a mais perfeita, naturalmente, em comparação com a ética anterior - que encontra seu ponto alto no comando de "amar uns aos outros", isto é, na obrigação do indivíduo de mostrar altruísmo, fraternidade e impecáveis ​​relações sociais. Penso que hoje o éticismo é o estágio final e definitivo no desenvolvimento da postura geral do homem ocidental. Seu significado é sentido sobretudo dentro das Igrejas cristãs em que o éticismo tem sido capaz de eliminar o primado da experiência pessoal da verdade, isto é, a primazia do dogma. Através de várias formas de pietismo eticista. Tem sido capaz de de estamar de forma semelhante a todas as Igrejas e confissões, independentemente de suas diferenças dogmáticas fundamentais. A Verdade da Igreja, os dogmas, permanecem princípios teóricos mortos sem a menor conseqüência no plano da piedade prática dos fiéis. Esta é a razão pela qual muitas vezes se diz que o que separa as diversas Igrejas cristãs hoje parece ser uma espécie de resíduo histórico de formas irrelevantes e escolásticas, ou seja, dogmas. Em contradição com os dogmas, os homens apresentam e proclamam o mandamento do amor, a exigência ética de unir as Igrejas divididas, uma atitude totalmente em linha com a base ética do pietismo e com o racionalismo do homem ocidental. A vida da Igreja é vista como nada além de uma ética social comum a todas as confissões. Com base no espírito pietista comum, a unidade das Igrejas já se tornou  a princípio - um fato, Kant é o precursor desta unidade e o precursor do movimento ecumênico.




Resumamos os elementos básicos da postura do homem ocidental diante do mundo e da história. São os seguintes: a prioridade da explicação conceitual da verdade revelada - a fronteira divisória entre o transcendente e o mundo - a vontade de dominar a natureza e a história; o banimento de Deus para um reino empiricamente inacessível; a separação da religião da vida e a redução da religião aos símbolos; a eliminação da ontologia, ou seja, o dogma, e sua substituição pela ética. Hoje, certamente, testemunhamos uma reestruturação radical da cultura ocidental, um processo no qual todas as formas de vida tradicionais das sociedades ocidentais são questionadas. Esta constitui uma grande questão em si e precisa de estudo separado. É muito cedo para tirar conclusões sobre se e em que medida o poderoso questionamento contemporâneo dos esquemas políticos, religiosos e sociais tradicionais está realmente alterando a postura original e mais fundamental do homem ocidental diante do mundo e da história.


Sem dúvida, nos encontramos diante de uma nova moralidade que está ganhando terreno diariamente entre os homens mais inquiridores e alertas do nosso tempo. Esta é uma moralidade de ação histórica dinâmica contra todas as formas de opressão humana que, abertamente ou sob uma aparência enganosa, negam a personalidade do homem. Procura estabelecer uma nova compreensão ontológica da existência humana como a auto-realização dinâmica da liberdade resultante da ação histórica. Certamente aqui está uma moral objetiva e socialmente mais genuína do que a que o cristianismo ocidental desenvolveu. Ainda assim, permanece a questão de saber se a nova moralidade está basicamente afastando-se da base ontológica sobre a qual a postura do homem ocidental em relação ao mundo e à história foi construída. Em termos de sinais já existentes, pode-se discernir na nova moralidade a mesma confiança nas possibilidades de realização individual, a mesma persistência utópica na busca de dominar a natureza e a história, a mesma ignorância da base ontológica do mal e do irracional no processo histórico. Teologicamente, essas tendências marcam a ausência do realismo expresso pela verdade teológica da Ortodoxia sobre o homem e o mundo, uma ausência que parece deixar até mesmo o mais nobre dos esforços éticos aos ares ou parece vinculá-los tragicamente ao irracional na história.


No entanto, para além das mudanças culturais e das transformações éticas no Ocidente, a concretização final e mais convincente da postura do homem ocidental é o desenvolvimento da tecnologia. A tecnologia incorpora tanto tangencialmente como especificamente todas as etapas do desenvolvimento religioso do homem ocidental: a prioridade da mente, a fronteira divisória entre o transcendente e o mundano e a redução da relação pessoal com o mundo para uma atitude de dominação do homem sobre a natureza e história. A tecnologia, que hoje determina a relação do homem com o mundo e define seu lugar na história, é a conseqüência mais típica da postura ou ethos fundamental do homem ocidental. Isto é verdade tanto para a tecnologia como um fenômeno da separação orgânica do homem do ciclo total da vida e como um fenômeno do emaranhamento da história na rede de forças impessoais (como a economia e o militarismo) que nunca podem aceitar a premissa da singularidade da existência humana pessoal. Este problema certamente não é o crescimento e o desenvolvimento da tecnologia como tal. Não importa o quanto a tecnologia se desenvolva, ela nunca deixa de ser uma utilização do mundo que é necessária, legítima e louvável. O problema surge no momento em que essa utilização do mundo serve exclusivamente à autonomia fugitiva do homem, à separação insensível do homem do ciclo da vida, à negação da dimensão pessoal e ao desejo de dominar individualisticamente o mundo. A importância absoluta atribuída à tecnologia expressa uma atitude de um tipo particular de utilização do mundo; uma utilização que não vê a ordem criada como a obra de um Deus pessoal, nem procura revelar o significado das coisas (o logos) e a revelação das energias divinas incriadas no mundo; mas uma utilização que pressupõe a autonomia das necessidades e desejos do homem e o domínio arbitrário do homem sobre o mundo físico.

De outra perspectiva, pode-se dizer que a postura implícita nos termos "Ocidente" e "homem Ocidental", e encarnada pela tecnologia, está exatamente na extremidade oposta a esse tipo de posição em relação ao mundo e à história que é pressuposta pela experiência e o pensamento da Igreja Ortodoxa. Se aceitarmos que, como ensina a Igreja Ortodoxa, a relação do homem com Deus não é simplesmente uma relação intelectual e ética, mas uma relação inteiramente e realisticamente baseada na aceitação e uso das coisas criadas, isto é, numa utilização litúrgica eucarística do mundo, então é a tecnologia, com sua posição particular e caráter, que constitui o problema teológico básico no encontro entre a Ortodoxia e o Ocidente. Este encontro ocorre antes de tudo no nível da realidade da vida contemporânea de um cristão ortodoxo, antes de ocorrer no nível do diálogo teológico abstrato ou das relações inter-eclesiais. A tecnologia impõe ao cristão ortodoxo uma certa postura na vida. Na medida em que o cristão ortodoxo é um homem contemporâneo e compartilha as circunstâncias da vida criadas pela tecnologia, ele é obrigado a adotar também a postura diante do mundo e da história que a vida religiosa no Ocidente desenvolveu.


A teologia e a espiritualidade ortodoxa, baseadas numa relação pessoal com o mundo e uma utilização eucarística-litúrgica do mundo, parecem realizar-se completamente dentro da esfera de uma sociedade agrária. Numa sociedade agrária, a relação do homem com o mundo, assim como sua relação com Deus, era uma questão de experiência direta e não o resultado de um discurso intelectual abstrato. Isso era verdade não só do trabalhador, mas também do artesão e do comerciante. Todos viveram pelo uso imediato do mundo material e suas vidas eram apenas um estudo da natureza e do processo cósmico total. Era uma vida vivida em harmonia com o cosmos, ligada organicamente ao ciclo de vida universal do nascimento, do crescimento, da fruição, da decadência e da morte, da mudança das estações, das forças da terra e em contato com a dimensão pessoal do cosmos.


O homem contemporâneo participa de forma bastante indireta no ciclo de vida do cosmos. Numa megalópole hoje, a vida está isolada da natureza, estreitamente isolada em seu próprio ciclo, restrita às circunstâncias impostas pela tecnologia. O homem conhece o uso de máquinas, mas não do mundo. Ele não sabe que o pão e o vinho resumem a vida e que representam o trabalho e a preocupação de um ano inteiro com quatro estações, com a semeadura, o crescimento, a fruição e a ansiedade sobre o vento e a tempestade. Para ele, as orações da Igreja são ecos de outra experiência: "E assim como este pão foi espalhado sobre os montes e tornou-se um, assim que a vossa Igreja seja reunida dos confins da terra ao vosso Reino."[5] Essa imagem é, sem dúvida, poética e bela, mas de nenhuma maneira relevante para a vida do homem contemporâneo. Seu pão é antisepticamente embalado em celofane, colocado para venda em vitrines de lojas ao lado de conservas e artigos de barbear. O pão para ele já não tem o mesmo significado central, já que outros alimentos reivindicam prioridade. Consequentemente, o único caminho que lhe é aberto para a compreensão da Eucaristia da Igreja e a utilização eucarística do mundo é através da mente. Ainda assim, ele pode entender o que ocorre na Eucaristia e aceitar a postura na vida que a Igreja representa, mas ele realmente não experimenta nenhuma delas.


Permitam-me repetir que a tecnologia como tal não impede a utilização eucarística do mundo. A fabricação de um refrigerador ou a montagem de um motor de combustão interna poderia ser tanto um ato eucarístico quanto o ato de semear ou colher. A experiência ortodoxa da relação do homem com o mundo poderia hoje trazer à tona o caráter humanizador da economia, a dimensão profética da ciência, o caráter sacerdotal da política, o caráter revelacional da arte, o caráter sacramental do amor. Mas tudo isso pressupõe uma postura humana particular em relação ao mundo físico e uma utilização do mundo radicalmente diferente daquela que a tecnologia implica.


Este, penso eu, é o problema teológico central nas relações entre a Ortodoxia e o Ocidente.


O encontro da Ortodoxia com o Ocidente nos últimos dois séculos ocorreu quase que exclusivamente no âmbito da teologia e tradição ortodoxa russa. A teologia ortodoxa grega, desde os séculos XVIII e XVII, mas especialmente desde o estabelecimento da Grécia moderna como nação livre, certamente encontrou o Ocidente, mas não tanto para dialogar com ele e fortalecê-lo com uma forte consciência ortodoxa, mas para aceitar sua influência passiva e acrítica. Muitas vezes absorveu, até mesmo inalterado, os critérios, a metodologia e muitos pontos de vista específicos da teologia ocidental.


O encontro da teologia ortodoxa grega nos recentemente com o Ocidente é um assunto digno de estudo em si. Aqui pode ser tocado apenas brevemente, embora represente um aspecto essencial do nosso tópico. Pode-se dizer que, desde os últimos séculos da ocupação turca até hoje, os intelectuais gregos mostraram uma admiração ilimitada e quase infantil de todos os desenvolvimentos do racionalismo ocidental. Emergindo da escuridão intelectual da opressão otomana, os gregos olhavam para o Ocidente como um farol de civilização e ciência. Quaisquer idéias de progresso que pudessem conceber foram automaticamente moldadas em modelos ocidentais. Durante os últimos séculos do domínio otomoano, os intelectuais da Igreja como, por exemplo, Vikentios Damodos, Nikiphoros Theotokis, Evgenios Voulgaris, Neophytos Vamvas e outros tentaram trazer um renascimento religioso entre o povo grego escravizado, trazendo para a esfera da vida grega e pensamento a problemática do cristianismo ocidental. Em suas obras e sermões se pode encontrar inalteradas muitas idéias típicas do pietismo, a teologia natural, a religião de sentimento, ‘o cristianismo como cultura’ (Kulturchristentum), e, em geral, da teologia ocidental como estava sob a influência do Iluminismo.


Com o estabelecimento de uma universidade na nação livre grega e o surgimento da teologia acadêmica, a influência da teologia ocidental aumentou e dominou. Na teologia universitária tomou a forma de uma ciência autônoma organizada de acordo com protótipos ocidentais apenas. Desde o início, a teologia acadêmica greco-ortodoxa era uma mistura de pietismo e racionalismo. A teologia, organizada em modelos conceituais, demonstrativos e apologéticos, foi fortemente separada da vida e da piedade da Igreja. Formalmente não deixou de ser ortodoxa, obediente à letra de formulações dogmáticas. No entanto, a separação das formulações dogmáticas da experiência e da espiritualidade da Igreja, acompanhada de uma aceitação acrítica do espírito e da metodologia da teologia ocidental, foi precisamente a traição mais séria do caráter da teologia ortodoxa. As obras dogmáticas de Z. Rosis e K. Dyovouniotis, a patrologia de D. Balanos, a introdução do Antigo Testamento por P. Bratsiotis e a História da Igreja de V. Stephanidis são exemplos típicos deste encontro peculiar da teologia ortodoxa grega com o Oeste.


Certamente também houve reações. Os nomes de Papoulakos e Papadiamantis são dignos de menção aqui, mas esses homens não vieram do mesmo ambiente acadêmico e não foram capazes de influenciá-lo. Além disso, o clero e as pessoas, por mais firmes que permanecessem nas tradições, estavam em um nível muito baixo de educação e incapazes de desafiar os intelectuais treinados no Ocidente. A teologia ortodoxa grega e a vida da igreja hoje ainda são dominadas pela perspectiva teológica das obras dogmáticas de C. Androutsos e P. Trembelas. As obras de ambos representam exemplos típicos de critérios ocidentais impostos à teologia dogmática ortodoxa. Os pontos de vistas de Androutsos e Trembelas em relação à eclesiologia e à doutrina do Espírito Santo, bem como à cristologia e à soteriologia, são diferentes das do Ocidente apenas na letra da formulação dogmática. Mas, como pressupostos, critérios e mentalidade teológica, são um só. Ambos os estudiosos gregos começam com uma gnoseologia teológica que se baseia exclusivamente na compreensão racional do indivíduo e no sentimento religioso; nenhuma sugestão de apofaticismo, nenhuma sugestão de participação pessoal na verdade revelada pode ser encontrada em suas obras. Eles não conhecem a distinção entre a Essência e as Energias de Deus, a diferença qualitativa que distingue a teologia ortodoxa de qualquer outra teologia e espiritualidade, e ambos são totalmente silenciosos em relação à tradição ascética e mística dos Padres do Oriente. Por outro lado, é dado um completo aval à concepção escolástica ôntica de Deus, à compreensão jurídica ocidental das relações entre Deus e o homem, à teoria da satisfação da justiça divina através da morte de Cristo na Cruz, à compreensão jurídica da transmissão do pecado original, da autonomia dos leigos e de outras idéias ocidentais semelhantes.

No nível da teologia acadêmica, Androutsos e Trembelas expressam as maiores incursões do racionalismo e do pietismo ocidental na esfera da teologia ortodoxa grega. No nível da piedade leiga tais incursões deram início a um amplo movimento pietista, no início deste século, conhecido como "Zoe" (Vida), embora mais tarde o movimento tenha experimentado várias mudanças tanto na forma e como no nome. O movimento pietista de "Zoe" eliminou até mesmo a última possibilidade de diálogo substancial na Grécia entre a Ortodoxia e o Ocidente, a possibilidade, isto é, inerente à espiritualidade e piedade leiga. 'Zoe' ganhou terreno rapidamente entre aqules da burguesia que admirava tudo de origem européia. Ele impôs formas religiosas puramente ocidentais, um éticismo construído sobre o racionalismo, uma compreensão da fé inteiramente conceitual e baseada em premissas apologéticas e utilitárias. Como movimento, tornou-se independente da vida da paróquia e do bispo local, separando a piedade da vida da igreja e limitando-a ao comportamento ético individual. Estabeleceu uma espécie de culto leigo independente, uma espécie de "serviço da Palavra" (Wortgottesdienst) protestante, com leituras bíblicas, hinos protestantes e orações improvisadas. Outras expressões do movimento inclui a tradução de muitos manuais ocidentais sobre a vida espiritual, a substituição da iconografia ortodoxa pela arte religiosa ocidental, a polêmica contra o monaquismo e a Montanha Sagrada e a introdução de “ordens” baseadas em modelos ocidentais.


O racionalismo científico da teologia acadêmica, por um lado, e o pietismo de "Zoe", por outro, criaram um cenário dentro da Igreja Ortodoxa na Grécia que dificilmente favoreceu o diálogo substancial com o Ocidente. Hoje, certamente, existem sinais de esperança entre a nova geração de teólogos - sinais que, no entanto, não alteram o clima global. Há também sinais de esperança dentro da esfera mais ampla do mundo intelectual e artístico da Grécia, ou seja, entre os representantes do pensamento e da arte grega, que mostram interesse especial no estudo e revitalização da tradição espiritual ortodoxa.


É sabido que semelhantes círculos intelectuais deste tipo foram responsáveis ​​pelo desenvolvimento de um diálogo substancial entre a teologia ortodoxa russa e o Ocidente. A teologia ortodoxa russa, também, passou por um período de escolasticismo. Mas deve-se reconhecer que logo a superou. As influências ocidentais não estão totalmente ausentes nos teólogos russos e, mais geralmente, da filosofia russa. De qualquer forma, deve-se notar que na Rússia, durante o século XIX, o diálogo substancial com o Ocidente foi inaugurado não por homens que admiravam e queriam imitar ocidentalmente, não por "ocidentais", mas por seus oponentes, os eslavófilos. Os eslavófilos tinham um profundo interesse no encontro com o Ocidente e eram "eslavófilos" precisamente em relação ao Ocidente: a revista publicada pelo grupo de Kireevski ca. 1832 era intitulado O Europeu. Tanto Kireevski como Khomiakov, assim como outros e eslavófilos menos conhecidos, como Aksakov e Samarin, alimentaram um profundo amor pelo Ocidente e trabalharam com o ideal de trazer uma síntese da civilização ocidental e os princípios fundamentais da espiritualidade ortodoxa russa. Os eslavófilos acreditavam que a ortodoxia continha respostas aos problemas e ao impasse do Ocidente, respostas estas incorporadas na teologia experiencial do povo e na tradição viva da Igreja.


Não há necessidade de examinar mais a fundo o desenvolvimento histórico do movimento eslavófilo, que é bem conhecido. O que nos interessa é o encontro contemporâneo da teologia ortodoxa russa com o Ocidente, isto é, a teologia da diáspora russa pós-Revolução. A presença de teólogos russos e, mais geralmente, de filósofos e intelectuais russos no Ocidente foi, de certa forma, uma continuação do movimento eslavófilo, uma continuação da disposição clara e ardente de dialogar com o Ocidente e de apresentar o ensinamento Ortodoxo como a solução para os problemas teológicos e culturais ocidentais que pareciam ter chegado a um impasse. Os pontos teológicos ortodoxos básicos defendidos por esses teólogos e intelectuais russos neste diálogo representam quatro grandes áreas do pensamento ortodoxo: (1) o caráter apofático e místico da teologia ortodoxa; (2) a piedade "ética" e prática enraizada na tradição ascética (Philokalia); (3) as dimensões eucarísticas da eclesiologia, e (4) a revitalização da teologia dos ícones. A ênfase dada ao estudo da teologia de São Gregório Palamas e a atenção dada à sua importância para os diferentes desenvolvimentos da tradição ocidental da oriental, marcou toda a "escola" da teologia russa na diáspora de "Neo-Palamita".



Não há necessidade aqui de enfatizar o significado da teologia Neo-Palamita no encontro da Ortodoxia com o Ocidente em nossos tempos. É bem sabido que, dentro de poucas décadas, a visão da Europa sobre a Ortodoxia mudou radicalmente e pode-se observar um surpreendente interesse no estudo das fontes da teologia e tradição ortodoxa, tanto entre os teólogos católicos quanto protestantes. Isto constitui um diálogo substancial que não só tem um efeito de despertar na teologia ocidental, mas também cria estímulos significativos para a teologia ortodoxa, orientando a teologia ortodoxa para uma maior autoconsciência teológica. Além disso, permita que o escritor reconheça, por razões de endividamento pessoal, que um número não insignificante de teólogos ortodoxos gregos mantém nossa identidade teológica, apesar de nosso treinamento teológico desfavoravelmente escolástico e eticamente orientado, graças ao contato com a teologia russa da diáspora...


 [...]

A virada da teologia ortodoxa para a realidade escatológica da Igreja significa um retorno à auto-compreensão escatológica da própria Ortodoxia no contexto histórico concreto do espaço e do tempo. É a única possibilidade de se preparar para uma encarnação histórica da consciência ortodoxa e para uma verdadeira mudança na nossa posição contemporânea quanto ao mundo e à história. [...] Durante este trágico período da vida da Igreja, o único consolo ou antídoto para a ausência da experiência escatológica na Igreja seria a presença de dons individuais do Espírito Santo: o dom da profecia, o dom do ensinamento teológico, o dom das línguas, isto é, as manifestações reveladoras da arte, o dom do encorajamento e da consolação, o dom da bondade e da simpatia para com o homem. Em cada pessoa, cada dom serviria como um sinal do caminho da Igreja através do árido deserto de sua secularização, no caminho para a ressurreição da Nova Cidade para a qual desejamos. Fora e em torno de todos esses dons individuais existiria somente o deserto - o triunfo do irracional no mundo e na história, o domínio dos poderes desta era, a transformação da Igreja em uma instituição decadente da convencionalidade social; em outras palavras, a experiência da crucificação de Cristo, a vitória dos espíritos elementares do mundo, a escuridão do tempo entre a sexta e a nona hora. E abençoado é aquele que não será escandalizado à espera da nova revelação do Espírito, isto é, o Pentecostes final da Igreja.

Artigo lido na Conferência Inter-Ortodoxa em Brookline, Mass., em setembro de 1970: traduzido pelo Pe. Theodore Stylianopoulos (grego-inglês), reimpresso de Eastern Churches Review 111, No. 3 (1971) em A.J. Philippou (ed.), Orthodoxy, Life and Freedom: Essays in Honour of Archbishop Iakovos  (Studion Publications, Oxford: 1973), pp. 130-147

NOTAS

1. "Todo aquele que está familiarizado com a Idade Média percebe que Descartes é "dependente" da escolástica medieval e emprega sua terminologia" (Being and Time, Londres 1962, p.46, no original Sein und Zeit, 1931, página 25). Veja também o filósofo católico romano P. Hirschberger em Geschichte der Philosophie 11 (Freiburg, ed. 6, 1963), p. 104.
2. (1951), ed. 2, Cleveland 1964.
3. Summa Theol. 1, q. 1, art. 8, ad2; "Utitur tamen sacra doctrina etiam ratione humana, non quidem ad probandam fidem, quia per hoc tolleretur meritum fidei, sed ad  manifestandum. aliqua quae traduntur in hac doctrina".
4. Sobre akrotaton, thei on, genos timiotaton (Aristóteles)
5. Didache 9, 4.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Islã: Através do coração e mente de um convertido ao Cristianismo Ortodoxo [Parte I]


Parte 1 - Parte 2


Kevin: Bem-vindo e obrigado por estar comigo nesta edição do Ancient Faith Today. Você sabe que há muita coisa vindo da mídia recentemente sobre o Islã. Nesta série de duas partes - esta é a primeira parte - discutirei sobre o Islã e as experiências pessoais de um recém convertido a Igreja Ortodoxa. Meu convidado se converteu ao Islã aos 14 anos e mais ou menos 20 anos depois deixou o Islã para se tornar cristão ortodoxo, e eu tenho me comunicado com seu padre por sinal, que confirmou sua história . Meu convidado (que por razões de segurança chamaremos "George" e não revelaremos sua localização ou paróquia) é um americano caucasiano que estudou teologia, história e jurisprudência islâmica em um seminário para se tornar um Imam. Aprendeu a língua árabe e memorizou boa parte do Alcorão em árabe. Assim, nesta primeira parte da entrevista discutiremos a conversão do meu convidado ao Islã, alguns fatos teológicos e históricos sobre o Islã através da mente e do coração de um convertido do Islã para o Cristianismo Ortodoxo. George é muito bom dar-lhe boas-vindas ao Ancient Faith Today.

George: Muito obrigado Kevin. É uma grande bênção estar aqui.
 
Kevin Allen, podcast da rádio-online Ancient Faith
Kevin: Então, como discutimos antes da entrevista, você disse que começou a estudar várias religiões e filosofias já em seus primeiros anos da adolescência. 

George: Sim, eu estudei. Eu pesquisei algumas das tradições espirituais orientais, como o budismo e o hinduísmo. Eu também li um pouco da filosofia grega, em particular a escola do estoicismo. Eu rapidamente perdi o interesse tanto no hinduísmo e budismo. Mesmo para um garoto de 12 ou 13 anos, que era bastante mente aberta, esses dois sistemas de crenças eram distantes demais para mim. As crenças politeístas do hinduísmo e as crenças não-teístas do budismo simplesmente não batiam bem para mim. Eu ainda acreditava e sentia que havia apenas um Deus. 

Kevin: Então por que o Cristianismo não foi nem mesmo uma opção ou interesse para você? 

George: Eu não vi nenhum valor nos tipos de cristianismo que estavam disponíveis para mim. Ou se tratava das imagens dos evangelistas de TV pulando e gritando, dizendo às pessoas que podiam comprar seu caminho para o Reino ou então a constante hipocrisia e auto-retidão das pessoas que eu encontrava todos os dias. Eu não vi no Cristianismo algo para mim ou em qualquer outra pessoa. Depois, havia os problemas que eu tinha com a teologia cristã, como entendia nesse tempo. A Santíssima Trindade era muito confusa, a crucificação e a compreensão ocidental da expiação, parecia nada mais do que um bode expiatório para fazer as pessoas se sentirem melhor sobre suas próprias deficiências e apenas deixá-las de lado, evitando que fizessem qualquer esforço para mudar suas vidas de forma profunda.

Kevin: O que atraiu você ao Islã?

George: Bem, pareceu oferecer alguns absolutos que eu estava procurando, a disciplina. A teologia que eu podia mais facilmente preencher minha mente. Historicamente, não parecia ter a bagagem que o cristianismo carrega como a escravidão, o racismo, o fanatismo, as cruzadas, a inquisição e a intolerância geral que os cristãos têm sido acusados ter através dos séculos. Espiritualmente, parece oferecer uma verdadeira adoração usando a voz, mente e corpo, não apenas agitando seus braços no ar, gritando e cantando. Também há a prática no Islã conhecida como "Dhikr", que literalmente significa lembrar, trazer à mente. Nesta prática, se tenta limpar a mente de tudo, exceto Deus. Através desta prática, recita-se orações repetidamente para auxiliar trazer mais a presença de Deus. Mas é claro que o centro do culto no Islã são as cinco orações diárias que são obrigatórias. 

Kevin: Então, George, você entrou numa mesquita aos 14 anos. Muito incomum, muito cedo. Qual era a composição demográfica da mesquita à qual você se juntou? 

George: Era principalmente de afro-americanos, algumas pessoas do Oriente Médio e alguns descendentes de asiáticos. 

Kevin: Sabe, eu acabei de ler uma pesquisa Pew de alguns anos atrás que dizia que 59% de todos os convertidos ao islamismo nos EUA são afro-americanos. Então gostaria de lhe perguntar sobre isso. Por que você acha que tantos afro-americanos nos EUA se convertem ao islã?

George: Algumas das razões dos conversos afro-americanos são as mesmas razões que me fizeram converter, que eu mencionei anteriormente, e também dos muitos outros que não são afro-americanos. No entanto, acredito que existem razões únicas para as comunidades afro-americanas. Pela experiência que tive, com as pessoas que encontrei e com as quais falei, e apenas das leituras que eu fiz, acho que o Islã tem sido visto como um meio para muitos afro-americanos para re-conectarem com um pedaço de sua cultura de seus antepassados que sentem ter perdido quando foram capturados, escravizados e trazidos para o hemisfério ocidental, sendo sistematicamente despojados de suas tradições e identidade. Tem sido uma forma de se despojar do eurocentrismo que lhes fora imposto. O cristianismo tornou-se sinônimo de opressão e perseguição que os americanos de descendência africana enfrentaram no Ocidente. 

Kevin: Mas não foram os mercadores de escravos muçulmanos que foram para África e depois escravizaram os africanos para vender aos europeus e assim por diante?  

George: Sim, o que é conhecido como o comércio escravo árabe começou no século VII, com a ascensão do império Islamico e durou até o século XX em alguns lugares tais como Arábia Saudita, Somália e o Sudão, onde há ainda relatos de tráfico de escravos até hoje. O comércio de escravos mulçumano-árabe abrangeu uma vasta área, incluindo o África subsaariana e ocidental, que era o principal fornecedor e então  havia a Ásia Central, a região do Mediterrâneo, a Europa Oriental, incluindo as terras dos eslavos. Há relatos de tráfico de escravos que se estendem até ao norte das Ilhas Britânicas e da Islândia. O EUA em seu início foi vítima dos comerciantes muçulmanos - dos conhecidos "Estados Barbary" - estados islâmicos independentes ao longo da costa do norte da África. Algo que gostaria de observar é que na lei islâmica não é permitido escravizar os muçulmanos livres. Portanto, somente os nascidos na escravidão e prisioneiros não-muçulmanos podem serem tomados como escravos. Isso pode explicar o fato de que a grande maioria das pessoas escravizadas eram aquelas que habitavam as regiões que faziam fronteira com o território dos impérios islâmicos e, em particular, os cristãos.  

Kevin: Mas vemos grupos islâmicos radicais como ISIS regularmente sequestrando, escravizando e vendendo mulheres e outras coisas. Esta prática de escravização é aprovada no Alcorão e nos Hadith? 

George: Sim, é. Não é uma noção muito popular, mas é definitivamente sancionada pelo Alcorão e os Hadiths. Grupos como o ISIS enxergam as atrocidades que estão cometendo como uma Guerra Santa e, como tal, todas as mulheres não-muçulmanas capturadas tornam-se sua propriedade, mesmo que essas mulheres sejam casadas. No Alcorão, tais cativos são freqüentemente referidos como "ma malakat aymanukum" ou "o que sua mão direita possui". Uma dessas referências pode ser encontrada no Alcorão na surata ou capítulo 4 versículo 24, que diz: "E também são proibidas todas as mulheres casadas, exceto aquelas que sua mão direita possui. Esta é a ordenança da lei para você."
 
O que eu acabei de citar é parte de uma seção mais longa que fala sobre as mulheres que são legais para o homem ter relações sexuais. Em relação com estes versículos o Hadith, a tradição da vida de Maomé, que dá a razão ou as circunstâncias em que este versículo foi revelado, diz,

"O apóstolo de Allah enviou uma expedição militar para Awtas devido a batalha de Hunain. Eles encontraram seu inimigo e lutaram com eles. Eles os derrotaram e os levaram cativos. Alguns dos Companheiros do apóstolo de Allah estavam relutantes em ter relações sexuais com as mulheres cativas na presença de seus maridos que eram descrentes. Então Deus, o Exaltado, enviou o verso Alcorânico: "E também são proibidas todas as mulheres casadas, exceto aquelas que sua mão direita possui. Esta é a ordenança da lei para você."

E também há outro exemplo que pode ser encontrado no Alcorão, surata 33 versículo 50, onde se está falando através do próprio Maomé pessoalmente. Diz,"Ó Profeta, em verdade, tornamos lícitas, para ti as esposas que tenhas dotado, assim como as que a tua mão direita possui, que Deus tenha feito cair em tuas mãos..."

Eu posso dar muitos mais exemplos, mas acho que você pode ter uma idéia de como o Hadith sancionam as ações dos vícios. É claro que um muçulmano pode argumentar que esses versos e hadith que citei foram eventos históricos específicos para o tempo de Maomé, mas o problema com esse raciocínio é que o Islã compreende o Alcorão como sendo a palavra interna imutável de Deus. Portanto, se todo o Alcorão é o mundo absoluto, perfeito e infalível de Allah, diretamente ditado a Maomé, como ele pode ser específico a um evento ou tempo particular?

Kevin: É interessante o fato de que os afro-americanos compreendam uma porcentagem muito grande daqueles que se convertem ao Islã neste país. Há também uma história afro-cêntrica muito profunda da cristandade bem antes do
Islã , não?
 
George: Sim, existe. Cristianismo teve uma presença muito forte na África desde os primórdios da Igreja. Até mesmo encontra-se no Evangelho de Mateus que o próprio Senhor com a sua Mãe Santíssima e São José fugiram para o Egito. Também tem o etíope que São Filipe encontra no livro de Atos. Alexandria é um dos antigos Patriarcados. Também tem grandes santos como Santo Atanásio, Santo Antônio do Egito, São Moisés Negro, Santa Maria do Egito e Santo Agostinho de Hipona, só para citar alguns.

Eu sinto como se fosse um crime o fato de que tanto dessa rica história do cristianismo na África tenha sido esquecida e até ousaria dizer que intencionalmente descartada pelos cristãos, particularmente nas igrejas ocidentais.  

Kevin: Quais são as diferenças significativas, por exemplo, entre a "Nação do Islã" e os ensinamentos de pessoas como Louis Farrakhan daquilo que se consideraria o islamismo "ortodoxo"?

George: Bem, há muitas coisas para discutir no tempo que temos, mas a diferença mais notável que diria é a crença da Nação do Islã de que o homem negro é Deus, enquanto o homem branco foi geneticamente criado por um cientista louco chamado Yakub, que é o nome árabe de Jacó que é dito ter nascido em Meca e criado uma raça de demônios pálidos "através de experimentos científicos na ilha grega de Patmos", daquilo que sabemos do Novo Testamento. Diz-se que Yakub fez isso depois que ele teve uma briga com Deus. Somente essa crença, sinto que é suficiente para qualquer um entender que a Nação do Islã não é bem-vinda no islamismo ortodoxo.

Kevin: Então os seguidores da Nação do Islã não são realmente considerados muçulmanos ortodoxos?

George: Não, eles não são.

Kevin: Ok. Então, George, voltando à sua história. O que foi necessário para você se tornar oficialmente muçulmano aos 14 anos?

George: Oh, foi muito simples. A recitação do que é conhecido como Shahada ou a declaração de que não há Deus senão Alá e Maomé é o seu mensageiro.

Kevin: E isso é tudo o que é repetido na presença dos Imãs e outras testemunhas?

George: Bem, o mínimo seria duas testemunhas (homens adultos) e, claro, teriam que ser muçulmanos.

Kevin: Havia lá outros caucasianos não-afro-americanos convertidos na Mesquita você frequentava?


George: Havia alguns, um dos quais era um dos co-fundadores de uma organização islâmica nacional que ganhou grande cobertura na imprensa nos últimos anos. No entanto, eu era apenas um novato na época, especialmente devido à minha idade e da forma como entrei no Islã, sem qualquer forma de evangelização por parte de um muçulmano.

Parecia haver mais mulheres caucasianas se convertendo ao Islã. Pelo o que observava isso se devia, em grande parte, ao casamento com homens muçulmanos que imigraram pra cá vindo de outros países.

Kevin: E você se esforçou para viver uma vida piedosa muçulmana, começando aos 14 anos. Quão rigoroso você era e quais práticas você seguia?

George: Sim, eu tinha 14 anos. Eu nunca me vi como sendo alguém piedoso. Como você disse, me esforcei para ser piedoso. Eu queria estar mais perto de Deus. Eu diria que eu era muito mais rigoroso do que o muçulmano-de-berço médio. Isto não é incomum, muitos daqueles que se convertem a uma fé que não foram criados desde cedo, são geralmente mais zelosos, pelo menos por algum tempo.

Eu queria mergulhar no Islã. Aprender tudo que podia. É por isso que eu deixei a minha cidade natal aos 18 anos e me mudei para outro estado, para estudar numa Madra Islâmica, ou seja, num seminário islâmico.

Eu fiquei lá por cerca de três anos. Estudei a gramática árabe, o Alcorão, os Hadith, a jurisprudência islâmica e a história. Além disso, claro, eu orava cinco vezes por dia. Eu também fazia orações extras que eram incentivadas, mas não obrigatórias. Eu jejuava durante o mês de Ramadã e também jejuava em alguns períodos fora do Ramadã. Eu segui todas as leis dietéticas, as leis da purificação, abstendo-me de relações sexuais fora do casamento, até ao ponto de onde eu nem sequer apertar a mão de uma mulher ou olhar diretamente para ela, caso ela não não estivesse em relação comigo.

Grande parte da vida de um muçulmano se dá seguindo o que é conhecido como a Sunnah. A Sunnah são as práticas de Maomé que abrangem todos e cada aspecto da vida da pessoa. Como comer, como dormir, beber, vestir, falar, usar o banheiro, até mesmo como um homem casado deve punir sua esposa. Praticava de todo o coração o quanto pude.

Kevin: George, o Alcorão e o Islã em geral têm muitas - eu diria e a maioria dos cristãos concordaria - interpretações erradas sobre o Cristianismo Ortodoxo. Que tipo de cristianismo herético ou cristianismo heterodoxo Maomé esteve exposto, de onde ele tirou essas idéias?

George: Bem, no Islã, muitos, se não a maioria dos muçulmanos, tende a agrupar todos os que eles percebem como cristãos, mesmo aqueles grupos como os Mórmons e as Testemunhas de Jeová, num só grupo homogêneo.

A Arábia pré-islâmica, particularmente a área que Maomé nasceu, conhecida como Hijash, era predominantemente pagã. Havia, no entanto, algumas minorias cristãs nesta região. Há alguns relatos registrados na vida de Maomé em que ele encontrou cristãos. É difícil saber quão ortodoxa eram as crenças deles, mas através de um exame do Alcorão, dos Hadith e os equívocos sobre o cristianismo contidos nestas fontes, podemos deduzir que pelo menos algumas dessas pessoas eram heréticas em suas doutrinas.
Quando Maomé, por exemplo, era um jovem, ele acompanhava seu tio, de nome Abu Talib, até Bosra, que fica na Síria. Lá Maomé encontrou um monge cristão chamado Bahira. Este Bahira notou que onde quer que Maomé se movia uma nuvem o cobriria. Então, ele chamou Maomé e lhe deu a notícia de que ele tinha sido escolhido por Deus para ser o último e derradeiro profeta.

As fontes islâmicas afirmam que Bahira possuía cópias dos "Evangelhos originais", livres de quaisquer erros ou adulterações, e nesses Evangelhos haviam profecias prevendo a vinda de Maomé. Este nome Bahira esteve ligado em alguns escritos a um monge chamado Sergius que alguns dizem que era um Nestoriano, outros dizem que era um Ariano. Pelo que sei do Nestorianismo e Arianismo, eu me inclino mais a pensar que Maomé foi influenciado por alguma forma de arianismo devido à visão do arianismo sobre Cristo e suas semelhanças de como os muçulmanos o percebem - como não sendo divino.

Encontramos em outros relatos do tempo de Maomé que quando recebeu sua primeira revelação em uma caverna dada a ele pelo arcanjo Gabriel, ele ficou confuso e assustado, então sua esposa Khadija o levou para seu primo. O nome de seu primo era Waraka que era um cristão, que alguns dizem que era realmente um padre Nestoriano. A alegação é que quando ele disse para Waraka sobre sua experiência, foi dito a Maomé que ele era o profeta final predito nas escrituras. Há outros relatos de encontros entre Maomé com cristãos, mas todos parecem ter o mesmo tema, isto é, os cristãos confirmam que ele era o último e maior profeta, que foi supostamente predito, mas devido ao fato de que os cristãos e judeus mudaram suas escrituras, essas profecias falando sobre Maomé foram removidas ou alteradas.

Kevin: De acordo com os muçulmanos, obviamente...

George: Sim, de acordo com os muçulmanos, é claro. Um outro relato longo tem até mesmo o imperador bizantino Heraclius afirmando que Maomé era verdadeiramente o profeta tão esperado e que todos os cristãos deveriam aceitar o Islam. Eu acho que seria interessante mencionar que existem versos no Alcorão que se percebe que foram tirados diretamente dos Apócrifos. Um exemplo muito óbvio seria uma passagem do que é conhecido como o "Evangelho da Infância" de São Tomás, onde diz que quando Cristo era um menino, ele juntou um pouco de barro, modelou alguns pássaros, soprou vida neles e começaram a fazer barulho e voar. Se você compara isto com uma parte do capítulo 5 versículo 110 do Alcorão, lá diz: "Lembre-se Ó Jesus, quando você criou a partir do barro, a forma de um pássaro e com a minha permissão, você soprou e tornou-se um pássaro com minha permissão. "

Kevin: O que é muito semelhante à citação do cânon apócrifo ou não-deuterocanônico de São Tomás. Bem lembrado.

Eu li, ao fazer algumas pesquisas para esta entrevista, que entre os hereges do século IV, havia uma particular seita árabe conhecida como Collyridianos, conhecidos por sua adoração de Maria como uma deusa e alguns muçulmanos acham que esta é, de fato, a seita que o Alcorão aborda pois o Alcorão fala da Santíssima Trindade como sendo Pai, Filho e Maria.

George: Sim, há uma tradição interessante que poderia muito bem ter uma conexão com os Collyridianos. Nos últimos anos da vida de Maomé, quando ele retornou triunfalmente a Meca, no que é conhecido como a "Conquista de Meca", um dos primeiros atos que realizou foi limpar a Kaaba de suas centenas de ídolos que se encontravam dentro e fora dela. É relatado que quando Maomé entrou na Kaaba ele imediatamente jogou fora todos os ídolos e todas as imagens foram apagadas. Todas, exceto uma imagem de Cristo com a Theotokos cercada por anjos. Diz-se que ele chegou até mesmo a estender os braços sobre a imagem, de modo a enfatizar sua ordem de não apagá-la. É relatado ainda que ele finalmente removeu esta imagem com alguma relutância, de modo que a presença de um ícone de Cristo e a Theotokos em um templo de pagão pode definitivamente sugerir a presença de um grupo como os Collyridianos.

Kevin: É verdade que Maomé erroneamente pensava que os cristãos adoravam três deuses - conhecido como Triteísmo - o Pai, a mãe Maria e o filho Jesus - em vez de um Deus e três pessoas? Triteísmo, algo que naturalmente o Cristianismo Ortodoxo rejeita.

George: Sim, eu diria que é verdade. Em uma das biografias de Maomé, menciona-se a chegada de uma delegação de cristãos árabes que vieram falar com Maomé. O relato fala sobre como os cristãos estavam debatendo sobre a natureza de Cristo e, em seguida, se diz: "eles argumentam que Ele é o terceiro dos Três, naquele Deus que diz: 'Nós fizemos, ordenamos, criamos e decretamos,' e eles dizem,"se Ele fosse um, ele teria dito: Eu fiz, criei e assim por diante," mas Ele é Ele, que é Deus e Jesus e Maria".

Em relação a todas essas afirmações, o verso do Alcorão que está conectado a essa tradição pode ser encontrado na surata 5 versículo 73. "Certamente não acreditam aqueles que dizem: 'Alá é o terceiro de três'".

Kevin: Da mesma forma (corrija-me se estiver errado) o Alcorão rejeita a paternidade de Deus e a filiação de Deus Filho que, na compreensão islâmica - eles acreditam que os cristãos assim compreendem - Deus tinha relações físicas com Maria para dar à luz a Jesus (naturalmente não é de forma alguma a doutrina cristã.)

George: Sim, diz no Alcorão, em referência a isso, "O mais gracioso teve um filho!" Isso está na surata 19 versículo 88.

Este equívoco pode ter vindo do fato de que os politeístas na Arábia realmente acreditavam que os anjos e até mesmo alguns de seus falsos ídolos eram filhos de Deus por meio de alguma relação física, e assim Maomé - eu penso - só pôde entender o termo "Filho de Deus" através do conceito humano de reprodução sexual, o que também levou muitos muçulmanos a pensar que os cristãos acreditavam que Deus gerou um filho da mesma maneira como um pai humano gera um filho.

Isto, é claro, é completamente ridículo e blasfemo, não só da perspectiva islâmica, mas também cristã.

Kevin: Certo. Os muçulmanos também negam que Jesus morreu na cruz. Eu vi isso na surata, ou capítulo, 4 verso 157, em linha com a ausência do conceito de sacrifício. Assim, o Alcorão nunca fala da expiação ou da obra salvífica de Jesus. Isso é verdade?

George: Sim, isso é bem verdade. Na surata 4 versículo 157 que você mencionou fala da crença islâmica de que Cristo nunca foi crucificado e que só aparentemente ele esteve na cruz. Gostaria de observar que alguns comentaristas muçulmanos afirmam que Deus realmente mudou a aparência de Judas Iscariotes para se assemelhar a Cristo e que Judas era o único que esteve na cruz.

O Alcorão nunca fala da expiação ou salvação de Cristo porque eles negam que Cristo é o Filho de Deus. Eles negam sua divindade e, uma vez que o Islã rejeita a divindade de Cristo, também nega todo o propósito de sua encarnação e, por sua vez, nossa salvação através dela. A fórmula islâmica para a salvação consiste em proclamar o Sahadda e fazer as obras e só.

Kevin: Como você sabe George, o amor está no coração do cristianismo, e você me mencionou que não há um verdadeiro ensinamento no Islã sobre o amor divino e da misericórdia de Deus para com a humanidade, ou um verdadeiro ensinamento da verdadeira comunhão ou união com Deus no Islã, e que é sobretudo, como você diz, "uma relação de mestre e escravo", citando a si mesmo. Por favor, explique o que você quer dizer.

George: Bem, para ter alguma compreensão de como um muçulmano provavelmente verá o seu próprio relacionamento com Deus, primeiro acho que é importante ter uma idéia do motivo pelo qual o homem foi criado de acordo com o Islã.

Na surata 51 do Alcorão, verso 56, diz: "Eu não criei os gênios" - que são espíritos, espíritos invisíveis, "e os humanos, exceto para me adorar." Novamente na surata 11 versículo 7 diz: "Ele foi Quem criou o céus e a terra em seis dias - quando, antes, abaixo de seu Trono só havia água - para provar quem de vós melhor se comporta."

Eu acho que esses dois versículos demonstram a razão geral pela qual o homem foi criado. Primeiro para satisfazer alguma necessidade que Deus tinha, para ser adorado de acordo com o Islã e, segundo, para participar de uma espécie de disputa, a fim de ver quem executa as mais boas ações. Estes dois conceitos são temas muito comuns em todo o Alcorão e Hadith. Assim, em suma, esse é o propósito da criação do homem, de acordo com o Islã. Primeiro, para cumprir a necessidade de Deus de adoração e para satisfaze-lo; segundo, para o homem para provar que ele é digno da misericórdia de Deus e se ele faz isso ele será recompensado. Tudo isso contrasta profundamente com a visão do cristão ortodoxo sobre o propósito da criação do homem e sobre o propósito da vida do homem, isto é, a comunhão com Deus e compartilhar seu amor e tornar-se por graça o que Deus é por natureza.

Kevin: E George, você também disse que descreveria o Deus ou Alá do Islã como um tirano.

George: Sim, é difícil explicar completamente em pouco tempo, mas vou fazer o meu melhor para ilustrar o que quero dizer.

De acordo com o Alcorão, Allah guia quem ele quer e ele desnorteia quem ele quer, que é uma citação do Alcorão. Esta frase é repetida inúmeras vezes. Em seguida, gostaria de citar um ditado bem conhecido de Maomé que diz o seguinte: "Foi dito ao mensageiro de Alá, 'há uma distinção entre o povo do paraíso e os habitantes do inferno?' Ele disse sim, foi dito novamente: 'Se é assim, então pra quê fazer boas ações?' Então Maomé disse, "Todo mundo é facilitado naquilo que foi criado para ele".
Um outro longo relato fala sobre quando uma criança é formada no ventre de sua mãe e um anjo é enviado para gravar em um pergaminho cada aspecto da vida desta pessoa, incluindo se ela será boa ou má, feliz ou infeliz, e se estará entre os habitantes do paraíso ou inferno. O dito termina com as palavras: "... então seu documento do destino é enrolado e não há adição ou subtração nele". E esse é o fim do relato de Maomé.

Acho que estas duas últimas citações falam sobre os aspectos fatalistas do Islã. Então nós podemos ir a surata 7 versículo 179, que diz, "Temos criado para o inferno numerosos gênios e humanos" Assim, a partir deste versículo podemos ver que existem aqueles entre a humanidade que são, especificamente, criados para inferno. É por isso que é mencionado no Alcorão em múltiplos lugares, que o combustível do inferno é "homens em pedras". De tudo o que eu citei, cheguei à conclusão de que no Islã não estamos lidando com um Deus justo. Em vez disso, se ensina que o criador formou tudo quase como uma máquina, fixada em certas formas chegando ao ponto em que o próprio Deus não poderia divergir das formas do sistema que estabeleceu.
Tudo está travado em uma espécie de destino, até mesmo ao ponto de que ações que percebemos como sendo o produto de nossa própria vontade, em realidade, já haviam sido escritas para nós. Assim, de acordo com o Islã, basicamente é dado a humanidade a ilusão de possuir livre arbítrio, quando na realidade não há qualquer liberdade.  Assim, quaisquer noções de amor e misericórdia de tal Deus podem ser percebidas como superficiais na melhor das hipóteses e podem ser rapidamente anuladas e abolidas.

Kevin: Sem entrar em uma longa discussão sobre aspectos da teologia cristã, mas alguns aspectos que você acabou de dizer soam um pouco como o ensino de João Calvino, sobre a dupla predestinação e assim por diante.

E George, você também me disse que havia idéias muito diferentes de amor e misericórdia no Islã comparado aquelas que você aprendeu no Cristianismo Ortodoxo. Talvez você possa explicar um pouco sobre isso.

George: Sim, uma dessas diferenças pode ser expressa perguntando a você ou qualquer outro cristão, pelo menos alguém que conhece as escrituras, se Deus ama os pecadores ou não-cristãos. A resposta provavelmente seria sim, é claro. Então, o cristão poderia citar inúmeros versículos, como Romanos 5: 8, onde é dito: "Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores." E então o Evangelho de João capítulo 13 versículo 34-35 que diz: "Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis."

Eu sei que o conceito de amor cristão nem sempre foi posto em prática através das eras, incluindo o nosso tempo, e isso é algo que teremos que explicar, no entanto estou falando sobre as diferenças bíblicas entre o cristianismo e o Islã.

Então, deixe-me citar a surata 2 versículo 276 do Alcorão onde diz: "e Allah não ama nenhum pecador incrédulo". E então você tem a surata 3 versículo 32 onde diz: "obedecei a Allah e ao seu mensageiro Maomé mas se eles se afastarem, então, de fato, Allah não ama os incrédulos ", então tem a surata 3 versículo 31, onde diz:" Oh, Maomé, se você ama a Allah, então siga-me. Assim Allah amará você e perdoará seus pecados". Então podemos ver que o amor no cristianismo, de acordo com as escrituras, é um amor verdadeiro, um amor incondicional, um amor verdadeiramente divino, que qualquer muçulmano médio zombaria, assim como eu fiz o mesmo tempo. O Islam só vê o amor como sendo condicional. No Islã, Allah tem 99 nomes ou atributos, um dos quais é "aquele que está amando", mas na Bíblia, através do Espírito Santo, somos informados de que Deus é amor e é de seu amor infinito [que] Ele nos criou e ele nos redimiu através de seu Filho e nos deu a habilidade, através de Sua Graça, de ser seus filhos através pela adoção e chamá-lo de Pai.

Kevin: Sim, então há, claramente, uma espiritualidade e um ethos muito diferente no Islã e no Cristianismo e isso terminará a nossa primeira parte. Obrigado George por esta fascinante primeira parte de sua jornada do Islã ao Cristianismo Ortodoxo e por favor junte-se a nós para a parte dois da história de George que será postada também no Ancient Faith Today. Obrigado George.

George: Obrigado, Kevin.

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